O incesto na literatura.
Pra mim, um dos temas mais trágicos e devastadores da experiência humana e de difícil tratamento literário: o incesto. Já me arrisquei a abordar o tema em um conto pela via erótico-trágica. E o que eu queria de meu leitor era que ele despencasse junto com a narrativa, sustentando-se, tão somente, em minha palavra e do conto saísse perplexo e forte como um sobrevivente, que é o que eu acredito ser todos aqueles que já foram vítimas da passagem ao ato incestuoso. Ainda mais se for em uma situação de abuso sexual. Mas, há duas obras específicas que me encantam por injetarem doçura à tragicidade incestuosa, despertando-nos, inclusive, a compaixão e o lamento por aqueles que se perderam nesse labirinto. Não há abusos, mas paixões que são trágicas por serem interditadas, impossibilitadas de realização. São elas "Lavoura Arcaica" de Raduan Nassar e "A Casa do Incesto" de Anaïs Nïn, ambas tratam, entre outros temas, de incesto entre irmãos. Arrisque-se nesses textos se puder...
Pra mim, um dos temas mais trágicos e devastadores da experiência humana e de difícil tratamento literário: o incesto. Já me arrisquei a abordar o tema em um conto pela via erótico-trágica. E o que eu queria de meu leitor era que ele despencasse junto com a narrativa, sustentando-se, tão somente, em minha palavra e do conto saísse perplexo e forte como um sobrevivente, que é o que eu acredito ser todos aqueles que já foram vítimas da passagem ao ato incestuoso. Ainda mais se for em uma situação de abuso sexual. Mas, há duas obras específicas que me encantam por injetarem doçura à tragicidade incestuosa, despertando-nos, inclusive, a compaixão e o lamento por aqueles que se perderam nesse labirinto. Não há abusos, mas paixões que são trágicas por serem interditadas, impossibilitadas de realização. São elas "Lavoura Arcaica" de Raduan Nassar e "A Casa do Incesto" de Anaïs Nïn, ambas tratam, entre outros temas, de incesto entre irmãos. Arrisque-se nesses textos se puder...
LAVOURA ARCAICA (trecho)
Raduan Nassar
"Era Ana, era Ana, Pedro, era Ana a minha fome" explodi de repente num momento alto, expelindo num só jato violento meu carnegão maduro e pestilento, "era Ana a minha enfermidade, ela a minha loucura, ela o meu respiro, a minha lâmina, meu arrepio, meu sopro, o assédio impertinente dos meus testículos" gritei de boca escancarada, expondo a textura da minha língua exuberante, indiferente ao guardião escondido entre meus dentes, espargindo coágulos de sangue, liberando a palavra de nojo trancada sempre em silêncio, "era eu o irmão acometido, eu, o irmão exasperado, eu, o irmão de cheiro virulento, eu, que tinha na pele a gosma de tantas lesmas, a baba derramada do demo" (...)
A CASA DO INCESTO (trecho)
Anaïs Nïn
Conheço apenas o medo, é verdade, tanto medo que me sufoca, que me deixa a boca aberta mas sem fôlego, como alguém a quem falta o ar; ou noutras alturas, deixo de ouvir e fico subitamente surda para o mundo. Bato os pés e não ouço nada. Grito e não percebo nem mesmo um pouco do meu grito. E também às vezes, quando estou deitada o medo volta a assaltar-me, o terror profundo do silêncio e do que poderá sair desse silêncio para me atingir e bata nas paredes das minhas têmporas, um grande, sufocante pavor. Eu então bato nas paredes, no chão, para acabar com o silêncio. Bato, canto, assobio com persistência até mandar o medo embora.
Sempre que me sento em frente de um espelho troço de mim própria. Escovo o cabelo. Vejo dois olhos, duas longas tranças, dois pés. Olho-os como se fossem dados num copo, à espera de que os sacuda, para que ao saírem se tornem EU.
Não sei dizer como todas essas peças separadas conseguem ser EU. Eu não existo. Não sou um corpo. Quando estendo a mão a alguém, sinto que a outra pessoa está longe, como se estivesse noutro quarto, e que a minha mão também lá está. E quando me assoo receio que o meu nariz fique no lenço.
Voz-melro cantante. Sombra da morte correndo atrás de cada palavra para as fazer secar antes que as acabe de dizer.
Quando o meu irmão se sentou ao sol e a sombra do seu rosto ficou projetada nas costas da cadeira, beijei a sua sombra. Beijei a sua sombra e esse beijo não o tocou, beijo perdido no ar, fundido na sombra.
O amor de um pelo outro é como uma extensa sombra que se beija, sem qualquer esperança de realidade.
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