quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

 QUEM TEM MEDO DE MACHADO DE ASSIS?





A única vez em décadas de vida que eu havia ouvido alguém dizer que não suportava Machado de Assis, eu estava nos alvores de meus dezoito anos de idade e escutei o imprevisto de um namorado que transitava em seus vinte e poucos anos. A afirmação me veio como uma rajada de vento invadindo um ar pesado, e leve não foi o meu silêncio ao escutá-la. Claro que não é obrigado a ninguém gostar de um autor, mas por detrás de tanta agressividade, um mais além se adivinhava. Não preciso dizer que, após essa acontecência, o namoro que já se arrastava por anos, duraria apenas mais quatro meses e cinco contos Machadianos; nada mais. Eu Capitulei. E penso, hoje, que detestar Machado era o seu modo de dizer que temia a traição.


Essas memórias me vêm em meio a atual problematização acerca da leitura da obra de Machado de Assis. Sobre a dificuldade de jovens da mesma idade que eu e o meu namorado apavorado de antanho se embrenharem em suas páginas. E não apenas. A rejeição à literatura machadiana reverbera e circula em meio a gente em cujos galhos estão penduradas maçãs maduras. Então, novamente, me pergunto, o que está por detrás dessa problematização e rejeição de um autor que apenas esperava "angariar as simpatias da opinião" e que ainda é o maior, mais inovador e disruptivo escritor brasileiro e para muitos críticos de todo o mundo, ainda reina como o maior da América Latina? Quem tem medo de Machado de Assis?


Não faz tanto tempo,  molhei os olhos ao encontrar obras de Machado integrando uma lista de livros proibidos para as escolas públicas, em uma espécie de Index Librorum Prohibitorum. Desde então, ficou claro para mim que  as palavras dos grandes autores, nelas as palavras de Machado, as suas narrativas desestabilizariam a forma de pensar e atuar na cultura que se pretende forjar pelo status quo atual, afinal, "palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução". 


Para uma cultura que rejeita a reflexão, prima pela pauperização dos conceitos, pelo rechaço à erudição, à concatenação de ideias e aos raciocínios minimamente complexos, Machado nunca poderia ser tão bruxo. Nem seu "humanitismo" tão canino. Nem sua elegância tão deslocada. Nem seu gênio improvável de mulato filho de lavadeira e de um descendente de escravo, nascido no Lavradio e que à custa de diuturno e longo labor cinzelou a sua escrita, algo tão perturbador. 


Sim, caro Machado, palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz uma Nação. O Brasil, por hora, capitulou. E já vão longe os tempos nos quais jovens e livros faziam a Revolução...

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