domingo, 4 de setembro de 2016



Sobre a discussão em torno do filme Aquarius de Kleber Mendonça Filho "Pularam a Revolução Sexual"

                                            Por Andrea Almeida Campos



Uma pena que o debate em torno do filme Aquarius tenha se restringido à sua simbologia política.  Afora o jogo sujo da especulação imobiliária, uma pessoa de um outro país que assista ao filme e não conheça o Brasil, irá atentar-se a outros aspectos bastante ricos e delicados do filme, antes de fazer essa correlação.  A mim pessoalmente, Aquarius é, antes de mais nada, uma narrativa do feminino. E, paradoxalmente ao que se pretende impingir ao filme (a conservação do velho frente ao novo), uma narrativa totalmente nova que se sobrepõe às velhas. Uma mulher, Clara, que lutou contra um câncer de mama (que é junto ao câncer de útero, o mais feminino dos cânceres) quando era ainda uma jovem mãe e que teve nessa luta o apoio incondicional e o amor de seu então marido e pai de seus filhos. Essa mulher enviuvou e continuou tendo uma vida própria e independente, transitando entre os seus afetos e as suas memórias, das quais não abre mão, pois isso seria abrir mão de sua própria vida. O filme inicia-se com a celebração dos 70 anos de uma tia dessa mulher, "tia Lúcia" que enquanto ouve os seus sobrinhos-netos falarem sobre a trajetória de sua vida, principalmente, sua trajetória política e profissional, fixa os seus olhos sobre uma cômoda da sala, lembrando-se com prazer de momentos de sexo delirante que teve sobre a mesma com o seu, então, amante de juventude e que a acompanhou por toda a vida. Tanto que, ao final da leitura de seus sobrinhos-netos, ela os repreende e diz "vocês pularam a revolução sexual". Sim, pularam o "desejo feminino". Clara, já sessentona e viúva, mastectomizada, é rejeitada por um virtual amante de sua mesma idade, um sessentão que a paquera durante uma festa, mas que a repele ao descobri-la sem um dos seios. O prazer sexual virá pelas mãos e pelo corpo de um garotão, um garoto de programa. Garoto de programa que é compartilhado entre as amigas sessentonas divorciadas e viúvas (se bem que ouvi falar que esta já é uma prática comum entre as jovens "mamies" separadas em torno dos 40 anos, afinal, com filhos pequenos dizem que é mais prático, não rouba o tempo junto a seus filhos e não têm os desgastes e as expectativas que envolvem uma nova relação amorosa). Aqui o novo se sobrepõe ao velho. E esse novo ainda é, para muitos, de muito difícil digestão: A separação de sexo e amor feita pelas mulheres. Sendo que Aquarius avança nessa questão, pois essa separação é feita por distintas senhoras avós sessentonas que gozam de tórridas noites de sexo com garotões. Sexo pago. Sexo puro on the rocks. Com muito prazer e nenhum amor. Tomando emprestado o que disse a "tia Lúcia" no início do filme: na discussão sobre Aquarius, pula-se a revolução sexual. Pula-se a discussão sobre a narrativa do corpo feminino e de seu desejo incrustado em carne e memória. Talvez porque isso ainda seja um tabu. E um tabu não apenas para os menores de 18 anos.