sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A volta do filho pródigo (Rembrandt)

 A VOLTA DO FILHO PRÓDIGO COMO A VOLTA DO EU PARA SI MESMO.


Somos todos pais e filhos de si mesmos. Sujeito-objeto e objeto-sujeito de uma mesma relação que nos atravessa na medida em que nos construímos. 


Criadores e criaturas de uma subjetividade, de um estar no mundo. E quantas vezes o nosso eu-pai e o nosso eu-filho se despregam, abandonam-se, cindem-se como no mito do andrógino e vagueiam em orfandade.  Um eu-filho órfão de si mesmo. 


O eu pródigo é aquele que se desterrou de seu logos, que se desviou de sua verdade. A volta para si mesmo é caminho árduo, porque nosso si mesmo pode ser impiedoso e o nosso eu, intransigente. E podem não suportar olharem-se nos olhos. Mas ao apreenderem a palavra "amor" e ao soletrarem-na em todas as suas letras,  serão acolhidos no abraço infinito. 


É também sobre autoperdão e  autoaceitação que fala a volta do filho pródigo.


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Tela: "A Volta do Filho Pródigo" de Rembrandt.

domingo, 1 de agosto de 2021

 O belo desenho de Michelângelo ofertado a Tommaso Cavalieri: O Rapto de Ganimedes.




Sempre achei muito complexo e delicado etiquetarmos uma pessoa segundo o que ela nos parece, sexualmente, desejar. Inclusive, sou contra esses etiquetamentos: o que existem são pessoas e seus desejos e fantasias íntimas. Para além disso, nada mais há a ser dito ou considerado, uma vez que a plasticidade e a singularidade do desejo em cada um faz parte da condição humana.
Mas, já que a era vitoriana inventou o termo "homossexualidade", e esse mesmo século XIX ordenou um modelo de família nuclear e heteronormativo a sustentar o capitalismo, sigo as lições de Nancy Friday que diz que apenas se refere a alguém como hetero, homo, bi, trans, se essa pessoa afirma, ela mesma, que assim o é. E apenas temos a lamentar que ao fazê-lo, e assumir o seu desejo, fora dos padrões da "petite bourgeoisie", tenha a sua existência e a sua paz postas em risco.
Espero que cheguemos ao dia no qual o amor, o desejo e o sonho de uma pessoa diga respeito tão somente a ela mesma, assim como há os que preferem os dias brancos aos dias azuis, os que gostam de dias cinzas e os que preteririam todas as cores dos dias à luz das estrelas.
Ao final de tudo, que aquele que amou tenha sido amado e aquele que foi capaz de transbordar o seu desejo, que tenha com o seu amor bem sonhado.
É só o que importa às nossas curtas vidas: A capacidade de conjugar o verbo amar no infinitivo e de desejar transitivamente. Ou, quem sabe, "dormir, talvez"
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 Giovanni Cimabué (1240-1302)




Cimabué é o artista que faz a transição entre a Arte Bizantina e a Arte Renascentista. Inclusive, sendo anterior a Giotto. Por sinal foi ele quem descobriu o jovem Giotto durante uma viagem, tendo-o encontrado pastoreando nos campos. Ao conversarem durante o seu descanso, percebeu que o rapaz desenhava.
Cimabué, então o mais festejado artista de seu tempo, impressionado com a técnica natural daquele que nunca tivera qualquer formação artística, levou Giotto para desenvolver e aperfeiçoar a sua arte em Firenze.
Assim, Cimabué cedeu a Giotto o seu lugar primacial na história da arte, tendo aberto mão da vaidade para oferecer-se todo em generosidade.

 ARTE E MODA




Moda é uma expressão da estética.
Para quem quiser se vestir como quem compõe uma obra de arte, podemos aprender muito com os grandes mestres da pintura. Por exemplo: Vestir-se toda de preto será incontornavelmente elegante?
A resposta é não! Jackie Kennedy, talvez o maior referencial de elegância com trajes negros junto a Coco Channel e Audrey Hepburn, apenas se vestiu totalmente de preto, sem quaisquer detalhes para quebrar o peso da cor no dia dos funerais de seu marido!
Comecemos, então, pela tela "La Parisienne" de Giron (séc. XIX) exposta no Petit Palais em Paris e símbolo de máxima elegância: O seu "pretinho" além de apresentar decotes e rendas, traz como acessório pura pedra de toque, luvas ocres.
Não há como errar a mão da estética, inspirando-se nas obras de arte!

 ARTE E MODA




Gustav Klimt era, também, um original estilista. Inclusive, a sua amiga mais próxima, provavelmente seu grande amor, Émilie Flogë era proprietária de uma boutique em Viena. Ambos esboçavam e confeccionavam trajes fluidos, libertários. É assim que Klimt veste as suas modelos quando não as retrata nuas em cosmovisão...
No retrato de Adéle Bosch, tela que foi confiscada pelos nazistas e recuperada apenas em 2006, o que podemos aprender em termos de "moda"?
Para além dos tecidos e da fluidez do panejamento: ao usar roupas decotadas e com gargantilhas, é mais harmonioso que os cabelos sejam presos, nem que apenas a parte da frente. Cabelos completamente soltos em roupas com decotes e colares pesam na pintura que você compõe de você mesma: a sua melhor obra-prima!

 ARTE E MODA





Se Ítalo Calvino nos diz que um clássico é um livro que não cessa de nos dizer aquilo que tem para nos dizer, um clássico da moda é um modo de trajar-se que não cessa de se nos oferecer à fruição dos sentidos, sobretudo escópicos para quem o vê, sobretudo táteis para quem o veste.
O traje e os seus adornos são signos. Signos que se propõem a mobilizar atenção e o desejo daqueles com quem se comunicam. Sim, a moda é uma forma de comunicação e não é sem razão que há aqueles que portam roupas com frases, expressões e outros signos linguísticos.
Mas, um clássico na moda é aquele que também se oferece cripticamente, em mistério. Num jogo infinito de ocultação e desvelamentos.
Teria o quadro da Monalisa de Leonardo da Vinci a mesma força se a Gioconda trouxesse ao pescoço um portentoso colar? Assim, como, estaria a Dama com o Unicórnio de Rafael com a mesma sensual languidez se os seus cabelos estivessem soltos sobre o colo?
Por certo que as obras desses ícones do renascimento italiano não deixariam de ocupar o panteão dos gênios, mas os pintores, como grandes estilistas que são, sabem ou intuem que um colar pede um colo livre de panos e de madeixas, como o da modelo de Rafael, assim como um colo sobre o qual derramam-se madeixas e farto panejamento como o da Monalisa, recusa um colar.
São lições de moda que atravessam as modas e que através da arte fazem perpetuar em nós o enigma do feminino. Esse que mais do que o sorriso da Monalisa, será sempre indesnudável.
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Telas: Leonardo da Vinci: Monalisa (1503)
Rafael Sanzio: A Dama e o Unicórnio (1506)

 ARTE E MODA

"Casal Arnolfini"(1434) de Jan van Eyck. National Gallery, Londres.




Trata-se de um casal que está contraindo núpcias (percebam a presença do celebrante através da imagem refletida no espelho pendurado na parede).
Talvez levemos algum tempo para nos darmos conta da celebração porque o vestido da noiva é verde e não branco como foi, recentemente, convencionado.
Digo, recentemente, porque foi apenas no século XIX que a rainha Vitória inaugurou essa tradição em suas próprias bodas. Antes disso, o vestido branco não tinha qualquer conotação de pureza ou virgindade da noiva, mas sim, era indicativo de "pobreza", de status social inferior de quem o vestisse, uma vez que não teria recursos para adquirir tecidos tingidos.
Os tecidos tingidos de verde e de vermelho eram os que compunham os trajes da alta aristocracia como no caso da noiva Arnolfini pintada por Van Eyck em 1434. Sendo que a cor vermelha, mais que as demais, promoveria a purificação e a transcendência.
Podemos, assim, inferir o valor que tinha a tinta encarnada obtida de nosso hoje quase extinto pau-brasil que saiu de nossas matas para tingir as vestes de Reis, Rainhas, Papas e do bispado. E, claro, os vestidos das noivas da alta corte que eram pela cor vermelha mais virginalizadas do que afogueadas.

 QUINCY JONES: LENDA VIVA e POLÊMICAS DE CHARME

Nos dias cafonas que correm, pois não há nada mais cafona do que negacionismo, violência, truculência e fome, renovei meu interesse pelas canções e pela voz de Frank Sinatra. Assistir ao seu show no Maracanã de 1980 foi como, por pelo menos uma hora, recuperar um Brasil de charme. Porque não há nada mais charmoso e elegante do que a afirmação da vida através de gestos sensíveis e respeitosos. O ápice do glamour é uma genuína troca de sorrisos e amabilidades.
Frank Sinatra não é mais desse mundo, Tom Jobim partiu ainda mais cedo, mas fiquei contente de saber que o grande músico, orquestrador, arranjador e produtor musical Quincy Jones, responsável por grandes sucessos de Sinatra, Count Basie, Ray Charles, Miles Davis, Sarrah Vaughan, Ella Fitzgerald e tantos outros expoentes musicais, do alto de seus quase 90 anos de idade, ainda está entre nós, mexendo e bolindo e promovendo polêmicas.
Confesso que nunca havia me interessado muito por ele, por sempre conjugá-lo a Michael Jackson, um nome que se tornou execrável para qualquer pessoa que atue em defesa do direitos humanos, sobretudo das crianças. Mas quando li que Quincy havia dito que Michael Jackson era grande, mas não era lá essas coisas quando comparado aos imensos com os quais trabalhara, menos do que polêmica, sua fala transpareceu-me ter a credibilidade daqueles que por já terem cruzado o Cabo da Boa Esperança, não mais têm papas na língua nem devem absolutamente nada a ninguém. E, de fato, quem era Michael Jackson antes de Quincy Jones ter produzido os seus álbuns "Thriller" e "Bad", ou melhor, antes de Quincy Jones ter "construído" Michael Jackson? Para aumentar a polêmica, Jones afirmou que Jackson era narcisista, racista e "roubava" músicas de outros artistas. Depois dessas, rendi-me ao Quincy Jones de vez...rs
Foi quando, então, defrontei-me com mais afirmações polêmicas que, mesmo em se tratando de artistas de nossa grande consideração e predileção, examinando bem, não deixam de fazer algum sentido. A primeira é a de que os Beatles não eram assim, grandes instrumentistas.
Apesar de ser um pouco chocante escutar essa afirmação "ab initio", não devemos confundir composição e voz com instrumentação musical. Os Beatles foram gênios da composição, suas vozes eram maviosas, mas quem sou eu pra dizer que aquele que estudou música com os melhores professores de orquestração do mundo (com a mesma professora de Leonard Bernstein) e conviveu com Miles Davis e Count Basie, não sabe aquilatar o que é um instrumentista de excelência? E os Beatles, provavelmente, não o eram mesmo...
Outra polêmica diz respeito a Elvis Presley. Sem mais delongas, Quincy Jones insinua que ele era racista. Se ele era racista mesmo não sabemos, mas que ele emulava os negros, criadores do rock and roll, inclusive pintando os seus próprios cabelos loiros de preto, isso ele fazia. E se olharmos bem, não se assiste a Presley sequer acompanhado de músicos negros.... O que não acontecia com Sinatra, que não apenas vivia para cima e para baixo com uma orquestra composta de tão somente músicos negros, como exigiu em Las Vegas que os músicos se hospedassem no mesmo hotel no qual ele se hospedasse, sob pena de não mais fazer seus shows (os músicos negros eram proibidos de ficarem nos hotéis de Las Vegas, tendo que se hospedarem em pousadas fora da cidade). A exigência de Sinatra foi atendida e com ela demolida séculos de práticas de discriminação e preconceito.
Quincy Jones, na década de 80, produziu e regeu a música "We are the World", para arrecadar fundos contra a fome na Etiópia, juntando em um mesmo recinto, as maiores estrelas da música pop. Como ele promoveu essa façanha? Pendurou uma placa na porta do estúdio com os dizeres; "Deixe o seu ego do lado de fora".
Last but not Least, como profundo admirador da música e da cultura brasileiras, a lenda viva assegurou que a nossa cantora Simone é uma das mais belas vozes femininas da música no mundo... Bem, mas isso não é uma frase polêmica... É, simplesmente, a mais pura verdade...rs
Vida longa a Quincy Jones!

 ARTE E MODA




Você diria que a Maja Vestida, a bela tela de Goya que dialoga com a tela, também de sua autoria, a Maja Desnuda, está vestida com trajes masculinos?
Volto atrás para me fazer entender em meu argumento. Há alguns dias, li, aqui pela Internet, um artigo no qual rapazes afirmavam que, após as suas namoradas haverem tosado os cabelos, os seus desejos haviam se desmanchado no ar. Que haviam insistido nos relacionamentos, mas diante da necessária objetividade do desejo masculino que havia arrefecido, o fim fora incontornável.
No artigo, sustentava-se que o fenômeno se devia ao fato de os homens estarem escravizados a sinais de feminilidade que, uma vez ausentes, retiravam-se-lhes o desejo. A meu ver a assertiva não é falsa, no entanto, fica a meio caminho do cerne da questão: tenho a suposição de que a grande razão para o arrefecimento do desejo masculino nessas condições é o medo, ou melhor, o pavor do homem quanto à sua própria homossexualidade, aos seus eventuais desejos homoeróticos. A namorada de cabelo tosado pode remeter o rapaz, em uma cultura na qual o masculino é identificado com os cabelos bem curtos, a uma relação homoerótica que o mesmo pretende rechaçar.
No entanto, esse jogo sexual ocorre todo o tempo através de artifícios da moda que, de forma velada e subreptícia, brinca com a bissexualidade humana, mais ainda, com uma latente homossexualidade masculina que está sempre à espreita. Por serem sinais discretos, os homens não se apavoram com um eventual contato com um desejo homossexual, mas podem gozar de um prazer não identificado com o homoerotismo, mas que no entanto, é homoerótico.
Dito isto, volto à Maja Vestida de Goya. A Maja, que há séculos mobiliza os desejos masculinos, está vestida de homem, de toureiro, para ser mais específica. Mas, de forma sutil. Todo o seu traje corresponde à tauramaquia sevilhana. No entanto, ao invés da obrigatória camisa branca dos toureiros, ela traz sobre o belo corpo de mulher, uma camisola branca. O cor de rosa das meias dos toureiros transforma-se na faixa rosa a envolver a cintura da Maja. As sapatilhas estão de acordo com as melhores Arenas de torear e, coroando o traje de forma a não deixar dúvidas sobre a intenção do pintor: o capote de passeio bordado em seda e ouro. Este, a maior distinção de um toreador, que ao tempo de Goya era uma prática, exclusivamente, masculina.
As roupas humanas, não apenas servem para nos proteger das intempéries da natureza, mas para velar e desvelar, para brincar com a sexualidade humana que é, sobretudo simbólica. E para nos permitir ter acesso ao que no mais profundo de nós, driblamos: Olé!!!!