quinta-feira, 5 de julho de 2018

OCUPAÇÃO ANTONIO CANDIDO - UMA DAS EXPOSIÇÕES DO PROGRAMA "OCUPAÇÃO" DO ITAÚ CULTURAL - SP


Se, juridicamente, ocupação diz respeito à forma originária de aquisição de bem móvel, também, juridicamente, quanto aos bens imóveis, ocupação diz respeito a um procedimento de aquisição de posse lícita ou ilícita de um bem. E foi nessa última acepção, acepção transgressora consubstanciada na posse ilícita de um espaço imóvel que eu compreendi o título da exposição "Ocupação Antonio Candido" no Itaú Cultural - SP. E, mais ainda, ao ler o tema da exposição "O direito à literatura", o sentido transgressor de tudo transbordou-me. Isso porque a literatura nunca deixou de ter um caráter disruptivo e, pela voz de um crítico, tem reverberada a sua função invasora, mesmo que essa invasão apenas revele, dê luz ao que sempre esteve ali, uma vez que a literatura faz cantar e vociferar os nossos fantasmas mais recônditos (e irreconhecíveis). E a luz brasileira de maior alcance no farol dessa revelação, sem dúvida foi a do crítico literário mineiro Antonio Candido ( 1918 - 2017). Antonio Candido que chegou a cursar direito, mas se não concluiu o curso, estudou a ciência jurídica, o suficiente, para afirmar em seu belíssimo ensaio "O direito à literatura" que todo ser humano tem direito à fabulação, direito este inalienável, imprescritível e irrenunciável. Direito universal, fundamental, enfim. De que dimensão? Arriscaria dizer que "de todas". Antonio Candido que foi um dos pioneiros do estudo sistematizado das letras e da filosofia no Brasil, estudo antes diletante sob o domínio dos bacharéis. Antonio Candido que escolheu exercer a sua profissão de crítico sempre no mais alto risco, uma vez que preferia criticar textos de autores desconhecidos tal como fez com o daquela moça estreante de nome Clarice Lispector, nome esse que para o crítico deveria ser mesmo um pseudônimo... O que disse ele da desconhecida obra "Perto do Coração Selvagem"? Vaticinou o agudo crítico: "O ritmo do livro é um ritmo de procura, de penetração, que permite uma tensão psicológica poucas vezes alcançada na nossa literatura moderna"...
Ensaios, notas críticas, esquemas de aula, depoimentos pessoais percorrem toda a exposição-ocupação dedicada a esse rapaz sério e estudioso que um dia foi apelidado por Oswald de Andrade como um dos "chato-boys", dedicada a esse rapaz que afirma que o seu amor pela esposa, a também professora e crítica de arte, Gilda de Mello e Souza, nasceu de uma amizade, mas que se lembra com exatidão do dia, hora, lugar e da roupa que ela vestia na primeira vez que a viu...
Antonio Candido, nome substantivo adjetivado, cuja candura ousa a transgressão. E essa "ocupação" nos dá o pleno sentido de sua transgressão ao constatarmos, através dela, que o crítico e ensaísta transgrediu os limites da carne. Do quanto e tanto que ainda ocupa o espaço da vida. E que por estarem autor e obra tão vivos, não está o homem morto. Nem um pouco.



O NOVO SESC - AV. PAULISTA

Na última década, cidades verticalizadas e altamente adensadas têm buscado conquistar novos espaços e espaços que tirem de seus habitantes, os pés do chão. A maior expressão desse fenômeno é a cidade de Nova York que tem transformado os seus "Top of the hill" em espécimes de jardins suspensos da Babilônia, havendo em alguns deles, verdadeiros plantios e chácaras. A cidade de São Paulo não está infensa a este movimento. Movimento que não apenas representa a conquista de um novo espaço, coletivo, diga-se de passagem, uma vez que esse jardins e terraços estão, geralmente, presentes em prédios públicos e equipamentos culturais como o MET de NY, mas uma oxigenação e porque não dizer, proposta de humanização de projetos urbanísticos que em seus nascedouros foram moldados num formato que propiciou de maneira acelerada e perversa o divórcio entre o humano e a cidade desumanizada produzida por esse mesmo agente humano. Mas, como dizíamos, São Paulo não está infensa a esse fenômeno e um de seus exemplos é a estrutura do recém-inaugurado novo SESC da avenida Paulista que propicia ao seu visitante não apenas um terraço ao ar livre para descanso no topo de seu edificio, mas uma experiência de reapropriação de um pedaço da alma da cidade invisibilizada pela selva de pedra. Reapropriação do sentido de seu todo que se descortina aos olhos como uma nova possibilidade para além de um novo projeto urbano: a possibilidade de exercício da cidadania e da liberdade.





ISMAEL NERY: EXPOSIÇÃO "FEMININO E MASCULINO" - MAM-SP

A partir da segunda metade do séc. XX, novas narrativas de subjetivação quanto às identidades sexuais a partir de Freud passaram a ser formuladas e debatidas. Desde a teoria da sexuação lacaniana até discursos não psicanalíticos como aqueles de Judith Butler, ao trazer à tona os "Problemas de gênero" e ser a grande referência da "Teoria Queer". Na atualidade, o grande debate gira em torno do esgotamento da lógica binária "masculino e feminino", assim como o da heteronormatividade como modelo estático destituído de quaisquer plasticidades. Mesmo a lógica da sexuação masculina (fálica) passa a ser desafiada por uma lógica da sexuação feminina, na qual o sujeito é pautado pela indeterminação. E é de acordo com o que de mais atual se tem discutido em torno de gêneros, corpos, androginias, sexualidades e trans-sexualidades que a arte de Ismael Nery, pintor paraense radicado no Rio de Janeiro e que viveu de 1900 a 1934, exsurge a nossos olhos. Telas que expressam a sexualidade humana em uma miríade de possibilidades de vasta beleza transitando por múltiplas técnicas de pintura: Nanquins, aquarelas, óleos. E é por meio dessas mais diversas técnicas nas artes plásticas que Nery vai desenhando uma narrativa de técnicas performáticas de gênero ousada e avançada para o seu tempo. Uma narrativa plástica que prima pelos tons do afeto e da ternura, em cores e matizes inextricáveis à sua paleta de sexualidades e gêneros policromáticos.