quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 Há uns sete anos, coloquei na cabeça, não um cocar, mas a convicção de que apenas atingiria o núcleo da alma genética mater de nossa cultura e de nossa língua, se aprendesse tupi guarani. Comprei um livro de Tupi antigo e fui autodidata. Devido aos compromissos plúrimos não pude mais dedicar-me a essa boa causa rs. Mas sobrou alguns poemas que fiz sentindo em tupi e aqui vai um,...rs Já que, se não enterrei meu coração na curva de um rio, sei que ele pulsa e flutua nas veias tupis, florão do mar...


Xe peró r-emiaûsuba

y apenunga resé oma'ê

gûyrá-'î-etá ybak-ype o-bebé

ybaka pyrang

o-'ar pytuna-ne

xe suí nd''eresyryki

nde resé nhõ gûitekóbo

xe reté, xe 'anga abé oryb

ko'yr aûîeramanhê.

Andrea Campos 




Tradução:


O homem que eu amo

olha para as ondas,

muitos passarinhos no céu voam

céu encarnado

cairá a noite.

Com ele, somente estando eu,

o meu corpo e a minha alma feliz,

agora e para sempre.


Andrea  Campos

domingo, 4 de dezembro de 2022

Para hoje, trago esta bela representação etíope, em tecido, da Virgem com o Menino junto aos arcanjos Miguel e Gabriel.


Durante o renascimento, artistas italianos faziam incursões às Cortes etíopes, levando consigo imagens de Maria e o menino de modo que os mais reconhecidos pintores locais adotavam as convenções de composição artística europeia para a realização de suas obras.


A Virgem Maria é de importância central para a Igreja Ortodoxa Etíope que foi fundada no quarto século Anno Domini. Manuscritos litúrgicos medievais recebiam tratamento têxtil de acordo com a valoração conferida ao seu tema o que atesta a alta estatura da figura Mariana para os etíopes, uma vez que se trata da única representação texturizada neste Manuscrito, um Gospel Book de inícios do século XVI.




quinta-feira, 8 de setembro de 2022

 AMIZADE: A MAIS ÉTICA DAS RELAÇÕES


Assim como nos inebria conhecer os grandes amantes na história, delicia-nos descobrir quais foram os grandes amigos através dos tempos. Não apenas delicia-nos como nos comove.


A amizade não apenas é a mais ética das relações como nos diz Francesco Alberoni em seu indispensável livro "A Amizade", mas deve ser a base para a continuidade de toda e qualquer relação, inclusive as de amor-paixão, além de ser a mais desinteressada (se for por interesse não é amizade).


Os amigos estão juntos por um único e só motivo, não porque vão a festas juntos, ou trabalham juntos, ou são de um mesmo partido ou agremiação: Mas porque se gostam. E se respeitam. 


Há amigos cujos nomes até se misturam como é o caso de Marx e Engels, ou se transformam em um só nome como o do "escritor" Ellery Queen que nada mais é do que o heterônimo dos dois primos Nathan e Manior. Mas, encanta-nos, mais ainda, quando descobrimos grandes amizades entre grandes escritores e grandes pintores. 


Os escritores os citam, de alguma forma, em seus livros, já os pintores são mais explícitos e os retratam.


Eis aqui uma pequena galeria de grandes amigos pintores e escritores: Édouard Manet e Émile Zola. Eugéne Delacroix e George Sand, Giotto e Dante Alighieri, Honoré Daumier e Victor Hugo e Claude Monet e Guy de Maupassant. 


No mais, resta-nos citar Montaigne ao ser indagado sobre o porquê de sua grande amizade com o então já falecido filósofo La Boétie. O autor dos "Ensaios" assim respondeu: "Porque era ele". Foi quando ao cabo de anos, aditou: "Porque era ele, porque era eu".










O diálogo como espaço privilegiado não apenas para a busca da verdade, mas para o encontro da PAZ. 


O ATEU, OS TRÊS SÁBIOS E A DAMA


O belíssimo texto apologético "O Livro do Gentio e dos Três Sábios" escrito em 1274 na Baixa Idade Média por Raimundo Lúlio, um europeu que apenas escrevia em árabe, narra um belo diálogo/debate imaginário entre três sábios e um ateu. 


O desolado e melancólico ateu encontra-se próximo à  morte e deseja saber a verdade sobre Deus e os seus caminhos. Dirige-se, então, ao bosque do conhecimento onde mora a bela e formosa Dama. Esta Dama era a "Inteligência". Antes de o ateu chegar ao Bosque, para lá já haviam se aproximado os três sábios religiosos, cada um com seus respectivos credos: O primeiro era Judeu, o segundo era Cristão e o terceiro era Islâmico. A Dama, ciente dos conflitos e das guerras entre as religiões, explica aos sábios a metafísica da natureza e o significado de cada letra que sopra o aroma da justiça e da tolerância nas belas flores daquele jardim. Dirige-se à fonte e em suas vestes diáfanas ensina aos sábios o mistério que é guardado em cada árvore: Elas não são imóveis, apenas caminham para o alto e nesse caminho, oferecem a todos, sem distinção, os seus frutos e as suas sombras. Após a sua amorosa e assertiva preleção, a Dama parte, deixando sozinhos os três sábios.


É quando chega o ateu moribundo, coxeante e de olhos baixos em sua angústia existencial. Os sábios, antes de iniciarem o debate diante do ateu, pactuam que serão regidos e iluminados em seus diálogos pelos ensinamentos da Dama. Cada um deles, então, passa a expor a sua religião pela ordem de aparecimento de cada uma delas por sobre o Planeta: Primeiro o Judeu, depois o Cristão e por fim o Islâmico. Dialogam sobre a Trindade e sobre a Salvação. Debatem sobre as Cruzadas e as Guerras. Os ânimos ficam acirrados, mas nesse momento, param e por instantes, antes de se agredirem, silenciam. O ateu a tudo assiste e estremece e chora na desesperança de conhecer a Verdade. Entrementes que o debate se encerra e os três sábios se dão as mãos, a Dama aparece ao ateu e o toma em seus braços. Os olhos do ateu brilham e resplandecem. Fulgurantes, a Dama e o ateu desaparecem para além do bosque em forma de Luz. 


Diante do corpo morto do ateu, os sábios abraçam-se e pedem perdão um ao outro para se acaso se tiverem dito alguma palavra vil que tenha ferido a Lei de cada uma de suas religiões. E voltam para os seus templos em Paz.


No outro dia, no Bosque, entre as fontes e sob as árvores, cavalga a formosa Dama. Seus ensinamentos serão sempre revelados. Mas, nunca o seu Mistério.

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

 O AMOR DE DANTE ALIGHIERI POR BEATRIZ PORTINARI



Se Sandro Botticelli amou para sempre Simonetta Vespúcio, morta precocemente, aos 23 anos de idade e a quem pintou e repintou, Dante Alighieri amou para sempre Beatriz Portinari, morta precocemente aos 24 anos de idade e com quem nunca, jamais, trocou, sequer, uma palavra. 


Venturas romanescas, típicas de amores medievais que avançaram sobre o renascimento? Ou, amor, simplesmente, amor, que fez em sua irrefreável pulsão e transbordamento infindo germinar umas das mais belas obras-primas da arte ocidental? Pois se o amor de Botticelli por Simonetta deu à luz obras como "O Nascimento de Vênus" e a soberba "Alegoria da Primavera", o amor de Dante por Beatriz ilumina obras como "A Divina Comédia", originariamente batizada, tão apenas de "A Comédia" e a magnífica "Vita Nuova".


Mas, se já falamos sobre Sandro e Simonetta, conheçamos um pouco mais sobre Dante e Beatriz.


Beatriz teria sido uma bela moça nascida em Portico di Romagna, filha do banqueiro Folco Portinari (seria o nosso Candinho aparentado com tão divina e alta figura?rs). Na obra "Vita Nuova", inferimos que Dante a teria conhecido (sem trocarem palavra) quando ele tinha nove anos de idade e ela, oito, quando o senhor Portinari teria se transferido a Florença e vindo a morar em casa vizinha ao do futuro imenso escritor.


Apesar da proximidade física, as paredes dos refreios e impedimentos morais eram grossíssimas e Dante veio a encontrar Beatriz, apenas mais uma única vez, ao atravessarem o Arno, quando então, teriam se saudado, não sem dizerem, novamente, uma única palavra.


No entanto, se para Dante e Beatriz o que restou foi o perene silêncio e o amor irrealizado, Beatriz na obra de Dante o fez transbordar nas mais belas palavras de amor poético realizado em todos os tempos. É Beatriz quem conduz Dante ao Paraíso na sua Divina Comédia, é ela que para ele abre as portas do Paraíso Celeste e é sob o seu olhar de amor que ele contempla Deus e a eternidade.


Tenhamos, então, o prazer de lermos os trechos da "Divina Comédia" nos quais Dante encontra Beatriz no Paraíso Terrestre e ela o conduz aos céus do Paraíso:


(Dante encontra, finalmente, Beatriz no Paraíso Terrestre)


CANTO XXX (trecho)


assim, em meio a uma nuvem de flores

que, de angélicas mãos, subia festiva

e retombava espargindo candores,


sobre um véu níveo cingida de oliva,

dama me pareceu num verde manto

sobre as vestes da cor de chama viva;


e o espírito meu que, desde tanto

tempo, não fora mais por sua presença

arrebatado, já a tremer de espanto,


sem ter pela visão sua conhecença,

mas, por efeito que dela partiu,

de antigo amor senti a força imensa.

>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>


(Beatriz conduz Dante por entre os céus do Paraíso e lança-lhe olhares de amor)


Beatriz volveu-me o seu divino olhar

de centelhas de amor tão incendido,

que o não pôde o meu ânimo enfrentar;


e os olhos abaixei quase perdido.


"Se a ti eu flamejo na força do amor,

além do modo que na terra vê-se,

tão que dos olhos teus venço o valor,


não te surpreendas, pois isso acontece

da perfeita visão que, como apreende,

faz pro apreendido bem que inda se apresse.


Bem vejo como agora já resplende

no intelecto teu a eterna luz

que, vista, só e sempre amor acende;


e, se outra coisa o vosso amor seduz,

nada mais é que daquele um sinal

mal entendido, que nesta transluz.

(...)


* Os quatro primeiro versos finalizam o CANTO IV, os seguintes iniciam o CANTO V.


Dante ALIGHIERI in "A Divina Comédia" (Paraíso)

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

 ERÓTICA DA MELANCIA 


A melancia

vermelha nas partes pudendas

despeja sementes e o resto

é carne branca chupada a cuspe.


A melancia é devorada,

é mastigada,

sorvida a espuma.


Só a pele verde

se regurgita

e se descasca,

alheia

ao cio...


Andrea Campos


segunda-feira, 25 de julho de 2022

 DIA 25 DE JULHO: DIA INTERNACIONAL DA MULHER NEGRA LATINO-AMERICANA E CARIBENHA. DIA NACIONAL DA MULHER NEGRA. DIA DE TEREZA DE BENGUELA!


O próprio Joaquim Nabuco afirmou em seu livro "Minha Formação" de que houve uma miríade de movimentos abolicionistas no Brasil. O que ele integrou, o movimento parlamentar abolicionista, foi apenas um deles que por ser institucionalizado e capitaneado por uma elite branca e masculina estava em melhores condições de ser bem sucedido.


Falemos, então, de movimentos abolicionistas e de resistência dos quilombos, mas não apenas daqueles liderados por homens negros, mas de um mais específico, aquele liderado por TEREZA DE BENGUELA. 


Tereza, escrava negra fugida, nascida no século XVIII, vivia no maior quilombo do Mato Grosso em fronteira com a Bolívia, o Quilombo do Quariterêre. Este quilombo tinha por chefe, José do Piolho, a quem Tereza viria a desposar.


Uma vez tendo sido Piolho assassinado por soldados do Estado, Tereza assumiu a chefia do Quilombo. Instituiu o modelo parlamentarista de governo, sendo ela a Presidente do Congresso negral que se reunia uma vez por semana. Mas não era apenas de negros o quilombo gerido por Tereza, mas também, de índios.


Com economia autônoma e autossuficiente, no quilombo plantava-se, colhia-se, tecia-se e fazia-se a forja, processo através do qual transforma-se o ferro em utensílios. O quilombo comercializava com as vilas adjacentes mantendo boas relações com as mesmas. E assim o foi por mais de vinte anos, até ser invadido e dizimado por bandeirantes por volta de 1770, a mando do governo do Mato Grosso. Tereza teria sido, então, assassinada e, após ser decapitada, exposta a sua cabeça no centro do Quilombo. Há uma outra versão para a sua morte, afirmando que a mesma teria se suicidado após ter sido capturada pelos bandeirantes. 


Não importa. Basta irmos ao Mato Grosso para presenciarmos a bela cena: A Rainha negra Tereza, em seus suntuosos barcos a singrar as águas do Pantanal - e do nosso sangue.


quarta-feira, 13 de julho de 2022

 SI TU ME DIS: "JE T'AIME"

Andrea Campos


Si tu me dis: "Je t'aime",

Mes mains s'ouvrent et son pleines 

de sens qui débordent sans freins,


Si tu me dis: "Je t'aime",

Les oiseaux peignent leurs ailes

avec les couleurs de la lumière,


Si tu me dis: "Je t'aime",

le jour est remplie d'odeur

qui, de l'amour, exhale le fureur,


Si tu me dis: "Je t'aime",

ma bouche est le bout du souffle

à cause du désir qui s'étouffe.


Le monde tourne sa tête vers une étoile,

La lune touche la mer au fond de toile,


Si tu me dis: "Je t'aime",

un éclat brûle, 

coule en moi!


Et la vie  s'épanouit 

une autre fois...


*

Photo: "Le Baiser de l'Hôtel de Ville" - Paris, 1950. (Robert Doisneau)




terça-feira, 12 de julho de 2022

 Yo no lo sé lo que me queda de los colores 

de las Ramblas de las Flores.


Hace tiempo, mi corazón era rojo

como rojo corría el sol por los días,

tú boca salida del mar salgaba las tardes,

y en tu mirada dormía la nostalgia del vivir.


Quiero que sepas, sí, que sepas,

que la distáncia no silenció tú voz en mi alma,

y que tú vida palpita y quema entre mis senos.


Mi deseo en tú deseo como un sello vacío

trae la memória del amor en éste piso sombrío.


Muéstrate ahora a mí como una ofrenda

y yo seré tuya casi cómo por encanto.


Dónde me procures, 

estaré por todas las sendas,

y mi sonrísa trasmutará tú llanto...


Bésame, bésame 

y partidos se quedarán 

el tiempo y los dolores...


...


Yo no lo sé lo que me queda de los colores 

de las Ramblas de las Flores...


Andrea Campos


*




Foto: Las Ramblas de las Flores en Barcelona.

 Na Morte de Gabriel Garcia Marquez





Devasto-me em razão de quem tão vasto fez o meu caminho. O caminho pelo tempo, por seus passos indeléveis, passos passados, passantes, marcados pelo que marcaste e pelo tudo que marques. Estás a perder a memória e é na memória que o tempo se encerra, sem memória teu tempo encerra. Recolhes o teu tempo a um adeus proustiano: não há mais tempo perdido, todo o tempo é teu, sem antes e nem depois, só o agora. Mas o agora não existe. O agora é também memória, é também resgate imagético das imagens que fluem e refluem e só te dão adeus. Mergulhas na solidão, mas essa solidão é toda e somente minha e tem muito mais de cem anos. Em quais tempos estará o teu amor sem cólera? Em qual tempo teu amor e ódio por Llosa? Sinto muito quando passas a cada vez mais a sentir nada. E se o registro do tempo te abandona, é porque ele passa a ser menor do que tu, é porque como um Cronos autofágico tu o devoras. E com ele, eu também sou devorada, por tuas palavras, por tua fantasia, por teu sonho, por teus desejos, porque tu és o tempo e sou eu, devastada por entre lágrimas, somente eu, sozinha, que sem tuas letras, provarei da solidão e ficarei, sem teus livros, no esquecimento.



sábado, 9 de julho de 2022

 MÁRIO SETTE E MANUEL BANDEIRA: 


COMPANHEIROS DE BERÇO E DE  EVOCAÇÕES MODERNISTAS.


Não apenas o grande amor da vida de Mário Sette, Maria Laura, foi sua companheira de berço, tendo ambos nascido no mesmo dia e hora, como também foi  no mesmo dia 19 de abril de 1886 que nasceu o grande poeta Manuel Bandeira! Enquanto os  choros do primeiro eclodiam em um  sobrado da rua Princesa Isabel, os muxoxos do outro reverberavam no quarto de um outro sobrado na rua da Ventura, atual Joaquim Nabuco. Quanto às primeiras sílabas pronunciadas pelos dois "meninos novos" não lhes posso dizer, mas algo arrisco assegurar-lhes: a obra de Mário Sette e de Manuel Bandeira, não apenas dialogam, mas evocam uma a do outro, sendo a de Sette,na  prosa e a de Bandeira, na poesia.  Nas linhas de "Memórias Íntimas" de Sette, deparamo-nos com a confissão de seu primeiro despertar sexual nos "banheiros de mudar de roupa para os banhos salgados", Ao ler essa passagem não há como não evocarmos o poema "Alumbramento" de Bandeira,  com a diferença de que, no poema de Bandeira, não o "despertar sexual", mas "o primeiro alumbramento" ocorre em um desses banheiros de mudar de roupa não para o banho salgado, mas para o banho doce no rio Capibaribe. Em trechos do romance de Mário Sette, Senhora de Engenho,  é possível, também, evocar a poesia de Bandeira, como ocorre durante a narrativa de uma festa de São João. Nesse instante, quando os folguedos e balões rebrilham, o poema de Bandeira "Profundamente" nos assoma aos olhos. No entanto, muitos poderão afirmar: tratam-se de temas e costumes comuns àqueles tempos, sendo, portanto, muito provável que tenham sido vivenciados, do mesmo modo, não apenas por Bandeira e Sette, mas pela grande maioria dos meninos daquela época. No que concordo de pleno. A grande convergência, aqui, não é a convergência das experiências comuns, mas na forma como elas são ditas, no modo como são contadas, e tanto Sette quanto Bandeira, ao narrá-las, inauguram a palavra modernista. Bandeira, bem primeiro do que Sette, sejamos justos. E é no método genealógico utilizado para contar a história da cidade natal de ambos, Recife, que Sette e Bandeira têm enfim, a convergência plena. 


Em 1923, Gilberto Freyre encomenda a Bandeira que escreva um poema em homenagem ao Recife, brotando desse pedido o poema "Evocação do Recife". Já no início do poema, Bandeira anuncia que não contará a história da cidade no modelo tradicional: 


"Recife 

Não a Veneza americana

Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais

Não o Recife dos Mascates

Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois 

- Recife das revoluções libertárias

Mas o Recife sem história nem literatura

Recife sem mais nada"               


 Ou seja, contará a história do Recife "sem mais nada", o Recife de suas memórias, de seus afetos, de seus costumes, de seu quotidiano. Em março de 1941, o então Presidente Getúlio Vargas ordenou que Mário Sette, já conhecido por suas crônicas sobre a cidade do Recife e, à época, funcionário dos Correios, fosse servir, por um ano, na Fiscalização do Porto do Recife, a fim de colher material para a escrita de uma obra sobre o Porto e a cidade. Essa obra seria a futura obra-prima "Arruar". "Arruar", assim como "Evocação do Recife" de Bandeira, inova ao encetar um método original de contar a história da cidade, não por uma linha com início, meio e fim, a descrever os seus eventos icônicos, mas pela alusão a seus costumes, ao seu quotidiano, às suas memórias afetivas. Não há como não estabelecermos esse diálogo evocativo entre a prosa "Arruar" de Mário Sette e o poema "Evocação do Recife" de Manuel Bandeira. E foi movida pela curiosidade em torno dessa convergência, que pus-me a pesquisar. E vejam o que achei! A referência a uma carta de Manuel Bandeira a Mário Sette na qual o mesmo fala desse encontro entre ambas as suas escritas! Escreve Bandeira a Sette:


"Enxergo nas suas crônicas de Arruar "o Recife sem mais nada" - simples e de memória saborosa." Ou seja, o mesmo Recife de sua "Evocação", uma vez que o verso "o Recife sem mais nada" é uma síntese desse poema seu...


Mário Sette e Manuel Bandeira, companheiros de berço, companheiros nas evocações modernistas, irmãos no amor pelo Recife. Onde estarão agora? Estão dentro de cada um de nós que os lê, vivos, profundamente...






 CAROLINA AUGUSTA: A MULHER VIRTUOSA DE MACHADO DE ASSIS.


Em "Escritores Criativos e Devaneios", Freud empreende o que para ele sempre seria um dos maiores mistérios: o processo de criação do escritor de ficção. Fantasía adulta que substitui o brincar da infância, a escrita seria inscrever a escrita de um desejo. Nessa empresa, certamente, o nosso Machado de Assis despertaria uma pletora analítica em nosso Freud. Capitus, Virgílias, as mulheres da literatura machadiana se não traíram seus maridos ou amantes, são, no mais das vezes, suspeitas ou estão em vias pra o fato. Luxuriosas, lúbricas, voluntariosas, foram em muito distantes do caráter da real mulher de Machado, a cultíssima e fiel companheira de toda a sua vida: a portuguesa Carolina Augusta Novais. Recém-chegada da cidade do Porto para cuidar de um irmão enfermo, a simpática e bonita Carolina "uma das poucas mulheres que ainda pensam" nas palavras de Machado dirigidas a ela, despertou paixões e admiração. E um dos fulminados pela flecha do Cupido foi o futuro Bruxo. Carolina casou-se com esse escritor ainda de poucas e tímidas obras, a despeito da oposição de seus irmãos, cujo argumento para a interdição era a de que Machado era um mulato. E se Machado profetizou que com ela ganhariam o mundo, esse mundo através do amor de Carolina, para ele nasceu e se fez redondo.


Cinco anos mais velha, Carolina era uma intelectual de grande estirpe e apresentou a Machado o melhor da literatura portuguesa e inglesa. Retificava, opinava e organizava os seus textos, tendo tido ela, segundo críticos, uma influência bastante considerável na passagem de sua escrita romântica para a escrita realista. E quão teria sido a sua influência na passagem da heroína convencional para a mulher de desejos? De quem eram as fantasias realizadas nas personagens femininas de Machado? Só de Machado? Ou em um casal há um inconsciente que é de ambos, ainda mais naqueles nos quais o companheirismo e a cumplicidade pululam? Não importa. Machado foi imenso e Carolina foi uma parte imensa nessa imensidão.


Curiosamente, quando se fez viúvo e triste, Machado, ao escrever o seu último romance "Memorial de Aires", trouxe à estampa não mais os tumultos e intempéries do desejo transgressor. Mas, o casal Aguiar, aquele casal que é transgressivamente feliz e que anda de olhares dados pelo escorrer da vida. A ausência de Carolina, provavelmente, fazia da sua vida com ela o seu maior desejo. E, certamente, a sua presença e posterior ausência foi determinante no perfil de suas personagens femininas a serem criadas.


Sentados de mãos dadas em uma namoradeira, assim era visto o amoroso casal do Cosme Velho e foi em alusão a esse amor transcendido que Machado assim finalizou o seu derradeiro romance: "Olhando um para o outro (...) Consolava-os a saudade de si mesmos". Pois se Machado foi de Assis, também foi Machado de Carolina.





domingo, 12 de junho de 2022

 LIVRO V DA OBRA "A REPÚBLICA" DE PLATÃO: UM PROTÓTIPO DE UM TRATADO FEMINISTA?


Ao nos debruçarmos sobre os gregos, principalmente no que diz respeito às escrituras políticas e filosóficas, preparamo-nos de antemão para enfrentarmos posicionamentos e práticas de tratamento político e jurídico extremamente desiguais para homens e mulheres. Afinal, fomos forjados nos versos "mirem-se no exemplo daquelas mulheres (submissas) de Atenas" e, de fato, as gregas não gozavam, na antiguidade, de direitos relativos à cidadania e eram tidas como meros invólucros nos quais eram depositadas as sementes masculinas procriadoras na visão de homens como Aristóteles... Portanto, foi entre surpreendida e deliciada que durante a leitura da obra "A República" de Platão, na qual o mesmo delineia as características de uma cidade ideal, deparei-me em seu Livro V com um verdadeiro protótipo de Tratado Feminista! Platão prega a igualdade entre homens e mulheres em todos os sentidos, inclusive, no do gozo erótico! Fazendo um levantamento bibliográfico, verifiquei que há vários estudos já publicados sobre o nosso Platão Feminista! Ou seja, PLATÃO, por vários motivos, enfatizando esse,  é um dos meus escritores CONTEMPORÂNEOS preferidos...!




 PARA ESSE DIA DOS NAMORADOS:


O MITO DE PENTESILEIA OU 


DE COMO SER DEVORADO POR UMA NAMORADA FEMINISTA.


 Na Ilíada de Homero conta-se a história das amazonas, mulheres que se uniram para formar uma sociedade de libertas, desagrilhoadas do modelo patriarcal. Essas mulheres, todas guerreiras, decepavam um dos seios a fim de melhor lutarem e defenderem-se. Daí a palavra "a-mazona" que significa "sem-seio".


Altivas, ao proclamarem um Estado independente, não mais subjugar-se-iam a quaisquer ordens masculinas. No entanto, havia um momento no qual essa independência era desafiada: quando urgia reproduzirem-se, uma vez que, sem a reprodução, a sociedade das amazonas desapareceria. 


Para tanto, as amazonas invadiam outras tribos a fim de capturarem os seus homens mais valorosos. Elas apenas poderiam tomar por parceiros aqueles a quem tivessem derrotado nas batalhas. Uma vez vencedoras, sequestravam os desejados vencidos  para dentre elas. Levavam a termo as cópulas de emergência  e os devolviam aos seus lares sãos e salvos. 


Foi quando chegou o tempo da rainha das amazonas, Pentesileia, ter de ir em busca de um parceiro reprodutor. Elegeu por caça um homem grego e partiu ao seu encalço. 


Ao alcançar a Hélade, depara-se com a guerra de Tróia e num instante de sideração vê o grande Aquiles, que também a vê, e apaixonam-se. 


Mas, ambos precisam digladiar entre si. Apenas se vencedora, Pentesileia poderá raptá-lo. Aquiles pensa em entregar-se a sua raptora por seu bel prazer, mas a sua honra de soldado o impede. É quando por sobre Pentesileia, Aquiles desfere um golpe mortal. E assim, desesperado, tendo Pentesileia ensanguentada e sem vida em seus braços, encerra-se o mito grego.


Milênios após Homero, em inícios do séc. XIX, o dramaturgo alemão, Heinrich von Kleist, reverte essa história de amor feminista. Em sua peça, durante o duelo a que estão condenados os dois apaixonados, é Pentesileia quem sai vencedora, matando Aquiles. Mas ela não pranteia o amado e sim, em estado de delírio, devora-o, canibalizando-o.


Uma vez saciada e tendo  retomado a consciência, Pentesileia, ao constatar a carne de Aquiles mastigada e deglutida por sua carne, toma de seu punhal e se mata com Aquiles ainda quente dentro de si.


*


Feliz Dia dos Namorados a todas e todos!


*

Ilustração: Óleo "Amazona Ferida" do pintor alemão Franz von Stuck (1903).




sexta-feira, 10 de junho de 2022

 Cada um cita o autor que quer de acordo com o que quer e com quem é...


Fui uma leitora de Monteiro Lobato na infância. E estou no grupo daqueles que defendem que a sua obra se mantenha escrita tal como foi, a despeito de revelar violências de raça, toda sorte de discriminações e conservadorismos. Isso porque sou a favor de que a história revele os homens e as mulheres, o mais próximo possível, de como, de fato, o são ou o foram. É indispensável a conservação da obra para a construção de sua crítica. 


Inarredavelmente, um grande escritor, sabemos que Monteiro Lobato foi um homem de seu tempo, mas, de forma alguma, um homem além de seu tempo. Mesmo no seu tempo, o escritor era conhecido e reconhecido como uma das vozes mais altas em defesa dos interesses das elites agrárias, tendo sido, ele mesmo, um grande fazendeiro. O criador de Jeca Tatu e de Urupês era um homem que zombava do trabalhador do campo e o menoscabava. O reacionário Lobato era explosivo em suas críticas não apenas em relação ao homem do campo, como também, no campo da estética. Ao tempo da Semana de Arte Moderna, Monteiro Lobato fez uma crítica virulenta e destruidora aos quadros da modernista Anitta Malfatti em um artigo jornalístico denominado "Paranoia e Mistificação". Na corrente mais conservadora da patologização, aconselhou tratamento psiquiátrico aos modernistas. 


Mas Lobato, assim como ainda o é hoje, também era citado por juristas, por grandes juristas como o imenso Rui Barbosa. Em 1919, Rui Barbosa discorreu sobre a Questão social e política no Brasil no Teatro Lírico do Rio de Janeiro durante a sua campanha eleitoral para a Presidência da República. Na sua fala, cita um trecho do livro "Urupês" de Lobato, no qual o mesmo demonstra a sua visão sobre o homem do campo. Rui não louva seu pensamento, mas sim, o rejeita peremptoriamente. Leiamos o trecho citado por Rui:


“De pé, não é gente. A não ser assentado sobre os calcanhares, não desemperra a língua, “nem há de dizer coisa com coisa”.


Após citar o trecho de Lobato, Rui continua:


“Não sei bem, senhores, se, no tracejar deste quadro, teve o autor só em mente debuxar o piraquara do Paraíba e a degenerescência inata da sua raça. Mas a impressão do leitor é que, neste símbolo de preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e hebetamento, o gênio do artista, refletindo alguma coisa do seu meio, nos pincelou, consciente, ou inconscientemente, a síntese da concepção que tem da nossa nacionalidade os homens que a exploram”.


Monteiro Lobato, no dia de ontem foi citado por um outro "jurista", também num contexto que dizia respeito a eleições presidenciais. Eleições no seu maior sentido que é o de eleger o que é melhor para um povo e para um país. Uma citação muito de acordo, pois, há clara convergência nas posições políticas e sociais de ambos. Não vou entrar aqui no incontestável mérito literário do texto que foi citado, a fábula "O Reformador do Mundo", cujo personagem "Américo Pisca-Pisca", insatisfeito com a natureza, e porque não dizer, com a natureza das Américas, reclama por francas reformas. Reformas essas, tidas tanto pelo citador como pelo citado, como "inúteis".  Muito menos, pretendo advogar pela não citação das obras de Lobato. Tomo a mim, tão somente, a pretensão de observar criticamente como se dão essas citações e em que contextos. Em relação ao contexto de ontem, apenas me permitam enaltecer esse belo encontro, mesmo que sendo esse encontro a antítese do que foi o "encontro" entre Lobato e Rui durante a sua campanha eleitoral presidencial, quando o então, "Águia de Haia" lutava por um Brasil republicano que superasse, de uma vez por todas, pensamentos como os de Lobato:  arcaicos e nocivos a uma Nação que se pretendia ser construída com as marcas da justiça social e do humanismo. O encontro de ontem, ora, ora, foi um sublime encontro das vozes da elite republicana desde sempre. Refletem a síntese que têm de nossa nacionalidade, esses homens que a exploram...


Cada um cita quem quer conforme o que quer e quem é...


ps: Apesar de ter sido o candidato mais votado em todas as capitais e grandes centros urbanos, Rui Barbosa foi derrotado no interior do país em razão da forte corrupção eleitoral, da compra de votos e do chamado "voto de cabresto"... E, ao que parece, ele continua sendo derrotado pelos mesmos motivos até hoje...








terça-feira, 7 de junho de 2022

 "SOU UM CATIVO DO RECIFE." (JOAQUIM NABUCO)


Há muitas semelhanças entre o nosso imenso Nabuco e dois outros nomes que enaltecem e honram a cultura e a cidadania pernambucana: Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Os três, apesar de ostentarem em suas obras  profundos traços de suas pernambucanidades, não fizeram as suas vidas em Pernambuco. 


Bandeira viveu na Mauricéia tão somente em seu primeiro ano de vida tendo ao Recife retornado para uma temporada dos 6 aos 10 anos de idade.

 Depois, apenas visitas e nunca mais.


João Cabral em Pernambuco se fez rapaz, mas após tornar-se diplomata, respirou o resto de seus dias entre cidades europeias e o Rio de Janeiro. Mesmo sendo eleito membro da Academia Pernambucana de Letras, nunca participou de uma reunião na Casa Carneiro Vilela, tendo sequer comparecido à sua posse. 


Tanto Manuel Bandeira como João  Cabral de Melo Neto eram membros da Academia  Brasileira de Letras, estando ambos em repouso eterno no Mausoléu da ABL no cemitério São João Batista na cidade do Rio de Janeiro. 


Quanto ao nosso Nabuco, este viveu em Pernambuco  apenas até os seus 8 anos de idade aos cuidados de sua madrinha Ana Rosa no engenho Massangano. Quando do falecimento de sua madrinha foi juntar-se à sua família no Rio de Janeiro onde seu pai, um baiano, era político do Império. Nabuco retornou ao Recife apenas para cursar o seu derradeiro ano do curso de Direito, ficando em terras maurícias por cerca de dois anos. Depois, por aqui veio por ocasião de sua campanha para deputado. 


Toda a vida de Nabuco foi um intenso périplo entre Rio de Janeiro, São Paulo e anos vivendo na Europa e nos Estados Unidos. Casou-se com uma fluminense e fluminenses são os seus cinco filhos e toda a sua descendência. Morreu em Washington. Mas, aí terminam as suas semelhanças com os seus também notáveis conterrâneos. 


Diversamente de Bandeira e de Cabral, Nabuco, por disposição de última vontade, fez questão de ter as terras pernambucanas como sua última morada. "Ah, mas os demais eram membros da Academia Brasileira de Letras, natural que fossem enterrados no Mausoléu dos Imortais!", você me diz.  Ora, Nabuco não apenas era membro da Academia Brasileira de Letras como foi um dos seus fundadores junto ao seu grande amigo Machado de Assis. Se isso lhe atribui maior sentimento de pernambucanidade em face dos demais, quem somos nós para dizê-lo. Deixemos a palavra ao próprio Nabuco, o abolicionista, cosmopolita e libertário  que se dizia "Um Cativo do Recife".




 Mais uma vez chegara o instante da partida. A minha alma repartida, extenuada, mas sem dor. 


Era um momento branco, como uma tela que pede tinta e luz aos pincéis do destino. Momentos transpassavam-me como efígies e era preciso dizer-lhes adeus. Em um canto do corredor ainda restava esquecido, desmaiado sobre o chão, um lenço, e o usei para enxugar as lágrimas do tempo. 


A sala vazia aliviava-se sem o peso do passado e apenas eu poderia ser uma seta para o futuro. Tudo me vinha descendo como num tobogã. 


Olhei, uma última vez, o silêncio. Levantei com força as alças de minhas malas. 


Com passos titubeante e, logo, firmes, deixei a casa sem olhar pra trás, atravessei a rua e finalmente, pude abrir as portas para entrar dentro de mim.


segunda-feira, 30 de maio de 2022

 DE COMO O ENREDO DA VIDA  AMOROSA DE JOAQUIM NABUCO FOI PARAR NAS MÃOS DE ALFRED HITCHCOCK.


OU


Teria a escritora CAROLINA NABUCO, filha de JOAQUIM NABUCO, inspirado-se em um triângulo amoroso psicológico FAMILIAR para escrever o seu belo romance A SUCESSORA?


Rompido com Eufrásia Teixeira Leite, pouco tempo depois, o nosso Joaquim Nabuco casa-se com Evelina Ribeiro. Essa união rendeu a Nabuco uma descendência da mais alta estirpe, frutificando em  cinco filhos  notáveis, cada um em sua esfera de atuação. Do Embaixador  passando pelo Monsenhor,  da ninhada de Nabuco  floresceu, também, uma grande romancista: a escritora Carolina Nabuco. 


Além de romancista, Carolina arriscou-se na crítica literária, tendo escrito o ótimo "Retrato dos Estados Unidos à Luz de sua Literatura". Mas a sua Magnum Opus foi mesmo o festejadíssimo romance, "A Sucessora". Li esse romance um sem número de vezes na adolescência e, até um dia desses, folheava-o enquanto preparava aulas na Biblioteca da Universidade. É um romance delicioso e de grande potência psicológica, tendo sido adaptado para uma novela de televisão de grande sucesso e de mesmo nome. Conheci a obra de Carolina Nabuco, portanto, muito antes de ler a obra de seu pai, Joaquim Nabuco.


Foi então que ontem, refletindo sobre as leituras já feitas e refeitas das obras de pai e filha e sobre o longo  romance ardoroso e tormentoso de seu pai, Nabuco, com uma mulher excepcional e singular como Eufrásia Teixeira Leite, romance esse que foi fogo amortecido pouco tempo antes do casamento de seu pai, Nabuco, com a sua mãe, Evelina, sucedendo-a como noiva e mulher central em sua vida, eu só poderia chegar à seguinte conclusão: Evelina é a inspiração para "A Sucessora". Eureka!rs


Claro que eu posso estar completamente equivocada, mas sigo com a minha hipótese e o meu argumento. Que tal testá-los lembrando-nos da trama do livro?


A narrativa de "A Sucessora" gira em torno de um garboso e poderoso homem da alta sociedade carioca, Roberto Steen, que enviúva (sim, claro que a rival deve estar morta, compreende-se) de uma mulher cintilante, exuberante, que deixou marcas inapagáveis no mundo em que transitava e, muito provavelmente (e aqui, eis o motivo para um eterno drama) no coração do viúvo. Pouco tempo depois de haver enviuvado, Roberto Steen casa-se com uma bela e doce moça, de origem aristocrática rural, Marina, mas bem longe da personalidade fascinante, emancipada e cosmopolita da recém-morta, Alice Steen.


Uma vez que Marina passa a viver no mesmo ambiente que a defunta e a sentir-se comparada todo o tempo a ela, ou quiçá, mais comparando-se do que sendo comparada, o fantasma da falecida passa a  rondar e a ter lugar cativo e redivivo nesse casamento


As inseguranças e os medos de Marina apenas vêm a arrefecerem-se ao descobrir, através da leitura dos diários da morta, que a magnífica Alice, em verdade, era uma mulher pérfida, cruel, manipuladora e de vida sexual desbragada. De tão má, teve a pior das pagas que a vida poderia dar a uma mulher: tornou-se estéril após ter dado à luz o filho de um amante. E mentiu ao marido, sustentando que era ele o impossibilitado de ter filhos.O casal, então, tinha uma vida mundana, sem o aconchego doméstico propiciado pelas crias. Descoberta a terrível farsa, Marina e Roberto geram filhos e constroem uma família feliz, estando, agora, finalmente, Roberto ao lado de seu verdadeiro amor...


O livro foi publicado em 1934, quatro anos após a morte de Eufrásia Teixeira Leite e foi um sucesso editorial retumbante. 


Em 1938, a escritora inglesa, Daphne Dumorier, publicou o internacionalmente conhecido romance "Rebecca, a Mulher Inesquecível". Carolina Nabuco foi surpreendida com um probabilíssimo plágio de seu livro quando em 1941, Alfred Hitchcock foi agraciado com um Oscar pelo seu filme "Rebecca", baseado na história de Dumorier. A trama de Rebecca era, sim, um plágio do livro A Sucessora, uma vez que Carolina Nabuco havia enviado os originais de seu livro, traduzidos para o Inglês para o mesmo agente literário de Daphne. Poucos anos depois, Dumorier publicava o seu "Rebecca, a Mulher Inesquecível". O enredo era tal e qual. Apenas o que mudava era que, ao invés de focar o título de seu livro na sucessora, Dumorier intitulava-o com o nome da sucedida. Carolina Nabuco preferiu evitar os tribunais...


Impressionante, então, como a trama amorosa fantasmática da vida de Joaquim Nabuco pode ter chegado a Hollywood através das mãos de Hitchcock e até ter levado um Oscar...rs


Se isso procede ou não, na verdade, não importa. O fato é que Eufrásia Teixeira Leite se não era Rebecca, era mesmo a mulher inesquecível...




domingo, 29 de maio de 2022

 A GRANDE PAIXÃO DE NABUCO: A MAGNÍFICA EUFRÁSIA TEIXEIRA LEITE.


Quando Joaquim Nabuco embarcou para o seu primeiro périplo europeu aos 24 anos de idade, não sabia que, ao embarcar naquele navio, também estaria prestes a singrar de vento em popa nos mares das paixões tumultuosas. O nome dela: Eufrásia Teixeira Leite que, órfã de pai e mãe aos 22 anos de idade, era uma das mulheres mais ricas do Brasil. 


Em razão de seu talento para as finanças, Eufrásia foi  a primeira mulher brasileira a tornar-se financista e investidora da Bolsa de Valores, multiplicando geometricamente a fortuna herdada de modo a alcançar o posto de uma das bilionárias mais ricas do mundo. 


Rica, sexualmente  emancipada, libertária e mulher de negócios nos tempos das Sinhazinhas, Eufrásia merece ser apontada como uma das primeiras feministas do Brasil. Altiva, não admitia os deslizes do mal-acostumado noivo, e em razão de questiúnculas como essas, além de sua preferência em viver no ambiente parisiense, o ardoroso romance, entre idas e vindas, durou 14 anos, mas não desembocou no matrimônio.


Eufrásia seguiu sua vida de alta financista, tendo retornado para sua cidade, Vassouras, no Vale do Paraíba, aos 70 anos, já idosa, e tornado-se, também, filantropa. Nunca casou e não teve filhos. O seu derradeiro pedido antes de seu último suspiro foi: "Enterrem-me com as cartas de  Nabuco."


Já Nabuco, uma vez tendo sido bem sucedido em sua campanha pela abolição dos escravos e após o rompimento definitivo do romance com Eufrásia, contraiu casamento. 


Apesar de, nem de longe, a eleita ser uma bilionária como a financista e especuladora da Bolsa de Valores, Eufrásia, o dote da noiva era milionário. Na lua-de-mel, viajaram para Buenos Aires. Lá, Joaquim Nabuco investiu todo o dote por ele recebido na Bolsa de Valores de Buenos Aires. Como entendia muito de política e nada de finanças, perdeu, desastradamente, todo o dote da noiva investido. 

Freud explica?...




sexta-feira, 27 de maio de 2022

 EURÍPIDES e as suas MULHERES trágicas e APAIXONADAS.





A tragédia As Suplicantes de Eurípides traz elementos tanto de As Suplicantes de Ésquilo quanto de Antígona de Sófocles. No entanto, quando tudo parece ter sido resolvido, ocorre o inusitado a nos deixar perplexos e vertiginosos à beira do abismal da alma humana. Conto o enredo.


Tendo sido os argivanos derrotados na ofensiva contra Tebas, as mães dos sete generais  mortos na batalha e cujos corpos estão sob o poder dos tebanos, suplicam ao rei de Tebas que lhos devolvam a fim de que possam lhes prestar as honras fúnebres e dar-lhes sepultura. Creonte, o rei de Tebas, o mesmo que atua em Antígona, é contrário a essa devolução. A negativa de Creonte leva o rei de Atenas, Teseu, que foi a princípio relutante, a guiar um exército contra Tebas a fim de guerrear e recuperar os corpos dos sete generais mortos. Teseu e seu exército são vitoriosos na empreitada, sendo os sete corpos entregues às sete mães suplicantes a fim de que lhes deem a dignidade funerária que aqui se tratava de depositar os corpos nas piras (ao fogo), nas quais seriam queimados. Tudo se sucede com a contenção cerimonial e o ânimo do bem sucedido intento quando, zás!!!! Eis que o inusitado acontece! A viúva de um dos generais, Evadne, inconsolável com a morte de seu marido, Capaneu, lança-se às chamas nas quais queima o seu amado a fim de queimar e morrer junto a ele! Nesse que para ela é um leito nupcial, ambos ardem e derretem suas carnes plasmadas! Supremo sacrifício em delírio de bacante é esse ato limite da viúva Evadne que faz com que surja ex machina, a deusa Atena, sacralizando o pacto de amizade entre atenienses e argivos. Mais tragédia grega, ou melhor, mais Eurípides, impossível...

quarta-feira, 25 de maio de 2022




CORAGEM FEMININA:  ÁFRICA É O TEU NOME!


E ficou estabelecido em 1963, pela Organização da Unidade Africana, que hoje, dia 25 de maio, é o dia da África. 


Como a verdade está em nenhum lugar, mas há indícios dela na etimologia das palavras, para falar sobre esse dia, socorro-me nas origens da palavra "África". 


A palavra 'África" tem a sua origem etimológica no grego "Aphriké", que era o nome próprio dado pelos gregos à porção norte do continente africano, denominação também utilizada pelos romanos. Mas "África", também é um nome comum, e como nome comum significa "demonstração de coragem", sendo o mesmo, o feminino de "áfrico". Ou seja, o nome do continente poderia ser "áfrico", mas preferiu-se o gênero feminino "África" que, em última instância, significa "demonstração de coragem feminina".


Foi uma escolha, no mínimo, inteligente, para se nomear e revelar a força e a pujança desse continente... 


Mas, tal como a mulher, a África foi historicamente colonizada, explorada e subalternizada. E tal como a mulher, através de sua luta e coragem, atingirá a redenção. Viva a África!

terça-feira, 24 de maio de 2022

 SOBRE O NASCIMENTO DO ALFABETO: NO PRINCÍPIO ERAM APENAS AS CONSOANTES...


Não havia vogais nas escritas arcaicas, quer fosse na escrita egípcia (hieróglifos), quer fosse na escrita fenícia. Ler um texto envolvia não apenas compreensão, mas exercício divinatório. O que estava escrito não correspondia, diretamente, aos sons das palavras que eram faladas. O que havia na Grécia arcaica era a escrita conhecida como Linear A dos minoicos (1750 a.C) sucedida pela escrita Linear B, dos micênicos (1400 a.C).


Isso passou a mudar quando os gregos recrudesceram as suas atividades mercantis e trocas com os fenícios, acrescentando vogais aos seus símbolos, os quais hoje chamamos de letras. As primitivas letras fenícias, o alep  e o beyit, foram, então,  transformadas em alfa e beta, nascendo, assim, o alfabeto (750 a.C). E como não poderia deixar de ser, uma vez que o alfabeto grego possibilitou uma correspondência direta entre os sons da voz humana e os símbolos escritos, as  primeiras evidências  do uso das vogais aparecem na poesia. E em caso de dúvidas, como alguém já o disse: "Pergunte a Homero"...


sábado, 21 de maio de 2022

 PARA MUITO ALÉM DE OSWALD DE ANDRADE: 

OS AMORES DE TARSILA DO AMARAL 


A história não é apenas contada pelos homens, mas tão somente narrada em torno de seus desejos. 


Ao escutarmos, lermos e assistirmos sobre os encontros e desencontros amorosos que envolvem o trio modernista, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Patrícia Galvão, as narrativas se cingem às peripécias eróticas de um libertino Oswald de Andrade, aquele que segundo Pagu, tinha nela uma canalhice bem feita,  figurando ela e Tarsila como desaventuradas vítimas de seus desejos.


Tarsila, a traída, Pagu, a desiludida por esse Don Juan inexcedível que teria marcado, indelevelmente, os seus corpos e as suas vidas. Mas, a história, a verdadeira, a que contempla os desejos e a vida erótica e afetiva dessas duas grandes mulheres é bem outra. Sobre Pagu, muitos já o sabem, além de ter tido namorados enquanto ainda era casada com Oswald de Andrade, tal quando era militante comunista em Paris, encontrou o seu grande amor no jornalista e crítico de arte, Geraldo Ferraz,  com quem foi casada por vinte anos, teve um filho e viveu até os seus últimos instante de vida.


E Tarsila? O que ocorreu com ela após ter sido deixada por Oswald em nome do "angu" de Pagu? A imagem que se passa nas narrativas correntes é que ela teria se tornado uma mulher sofrida, marcada e resignada, chorando lágrimas de tinta com seus pincéis.


Qual nada!!


Tarsila, desde sempre foi uma mulher liberada, ousada e emancipada, à frente de seu tempo, embora saibamos que ser libertária sempre foi mais factível para as mulheres das elites, camada da qual a riquíssima Tarsila fazia parte. Quando conheceu Oswald de Andrade, era casada ainda com um primo, embora estivesse separada de fato. E casada, mantinha encontros clandestinos com Oswald até que conseguiu a anulação do seu casamento a fim de casar-se com o autor do Manifesto Pau Brasil. 


Após o fim de sua relação com Oswald de Andrade em 1929, se Tarsila sofreu, assim o fez nos braços de um outro amor, o psiquiatra Osório César, aquele que mantinha assídua correspondência com Freud. E foi com Osório César que Tarsila viajou para a URSS em 1932 a fim de conhecer o comunismo em seu celeiro e fazer cursos de arte realista soviética. Junto a esse grande intelectual, Tarsila viveu por vários anos.


Uma vez separada de Osório César, Tarsila entregou-se a uma paixão fulminante e ardorosa com um homem 20 anos mais jovem, o jornalista Luís Martins, conúbio que se estenderia por 18 intensos anos a despeito de toda a sorte de preconceitos investidos contra o subversivo casal.


Ou seja, Oswald de Andrade foi uma contingência amorosa  na vida tanto de Tarsila como de Pagu, havendo convivido maritalmente com cada uma delas por alguns poucos anos. Com Tarsila sequer teve filhos. 


Mas é o que se mantém gravado na história: Os desejos de um homem a submeter os desejos femininos e determinar seus destinos, impingindo-lhes irremediável sofrimento, a despeito da narrativa real das vidas de duas mulheres transgressoras, emancipadas, criativas e gozosas. 


Mulheres  que sem esse homem e para muito além desse homem, souberam fazer valer  o transbordar de seus corpos, seus amores, seus prazeres e suas Artes. Mulheres que  souberam, muito bem, de homens se aproximarem e, melhor ainda, deles se desvencilharem. 


Já passa da hora de resgatarmos o Modernismo conjugado nas primeiras pessoas do feminino e fazermos circular os seus desejos  nas veias da História.








quarta-feira, 11 de maio de 2022

 SOBRE A OBRA "BANQUETE" de PLATÂO.


Com inenarrável encanto, li a obra-prima  "Banquete" de Platão na semana passada. Havia lido apenas o discurso de Aristófanes, o que me conferia uma noção da imensidão do que é esse texto, mas não a noção de sua infinitude. E é isso o que é o "Banquete", um texto infinito, uma fonte que não cessa nunca de jorrar. Realidade ou  ficção?  Por momentos, a narrativa de Platão sobre os grandes gregos que se reúnem em um banquete para tecer considerações sobre o amor através não de diálogos, mas de discursos parece ser, antes que uma digressão filosófica ou um relato histórico, uma obra literária de gênio. Obra literária na qual o próprio filósofo Sócrates não passaria de uma personagem do filósofo-literato (lembrando-nos que antes de ser filósofo, Platão esforçou-se por se estabelecer como poeta da sua pólis, foi pra filosofia por ter "fracassado" como poeta...rs). Voltando ao Banquete. O que me parece, com o pouco que conheço,  é que tudo o que já foi dito, ou grande parte do que já foi dito, sobre o AMOR tem seus fundamentos inaugurados nesse texto de Platão. Incluindo os entendimentos contraditórios sobre esse fenômeno incontável (em todos os sentidos), uma vez que os preletores na obra sobre o tema estão sempre divergindo uns dos outros. Da psicanálise aos pós-estruturalistas, de Freud e Lacan, a Foucault e a Deleuze, os fundamentos sobre o amor de todos esses pensadores e filósofos, mesmo que divergentes estão já lá, vivos e pulsantes no Banquete!


Apesar de ser um texto de fácil leitura, peço licença para repetir o óbvio:  cada frase ou pequeno trecho do livro é digno de estudos profundos e complexos. Sendo, inclusive, irruptores, mesmo após os mais de dois milênios que nos afastam da data de sua escritura. Como exemplo traria aquilo que foi dito por Platão na voz de Fedro sobre o amor de Orfeu. A despeito desse amor na nossa cultura ser tido como um dos maiores amores da mitologia, Platão em sua analítica, considera Orfeu um covarde! Um covarde por não ter sabido sacrificar-se por seu amor, tendo sido, por isso, condenado á morte pelos deuses! A partir daí, não apenas passamos a revisitar a história de amor entre Orfeu e Eurídice, mas a revisitarmos o conceito de amor sacrificial e o próprio conceito da palavra sacrifício a partir de sua etimologia (sacro-ofício). E claro, a não cessarmos de nos indagar sobre o que é mesmo o amor.


Aos que me acompanharam até aqui, trago-lhes o trecho da obra que ora comento:


BANQUETE (PLATÃO)


...

"Os deuses sancionam o esforço e a coragem nascidos do amor! Mas os deuses não fizeram isso com Orfeu, filho de Eagro. Nada lhe concederam, isto é, apenas lhe permitiram que vislumbrasse uma sombra da mulher a quem ele fora buscar, e isto porque, como se não passasse de um simples tocador de cítara, sem coragem, não soubera morrer por amor ao seu amor, como Alceste, quando procurou meio de penetrar vivo nas regiões do Hades. Os deuses, irados, castigaram-no pela sua covardia. e fizeram com que ele fosse morto por mulheres."


Banqueteemo-nos!!!!!


*

Tela de George Frederic "Orfeu e Eurídice".


sexta-feira, 15 de abril de 2022


Queridas amigas e queridos amigos, muito bom dia/tarde! Segue o quinto poema dos vinte que estou escrevendo para um livro de poemas em francês sobre esses tempos que escorrem. Ainda farei revisões e correções. Um domingo tranquilo e aconchegante.


POÉMES DE VIE PENDANT L' ÉPIDEMIE


V.


Mes yeux

s'allument,

mais

mon regard

est court

pendant que

l'aube

tranche

la nuit

et

nous rend

le jour,


Aube

des rêves

des pulsions

et des désirs,

aube des lèvres

du sourire


Aube sans force

pour nous emmener

au-delà

du

corps,


Corps

enveloppé

en cuir,

en nerfs,

en viscères,


Corps

en réveillant

la façade

de notre misére.


Toute la philosophie

soumise

à l'empire

du corps


Le corps que la

pensée ne supporte plus.


Et au-delà du corps

on ne peut pas y aller.


Sont innutiles les idées.


Démissioné

il faut dans le corps 

rester.


Et quand

s'en va un corps,

et un coeur

fait

moins de bruit

sur le monde,


Le corps ne cesse pas

d'exister d'une 

existence profonde.


Dans la sablier,

la faillite du corps

égoutte

tout la sable


et sans le corps

nous plongeons

dans le silence

imprononçable.


Andrea Campos

POÈMES DE VIE PENDANT L'ÉPIDEMIE


IV.


Une espoir

qui s'afflige

c'est le desespoir

en vertige.


Au delà du soleil

la flamme du peur

s'attache

à la vie

en criant

"L'air!

Encore um peu

Du l'air!

Donnez-moi 

du l'air!"


Sans plonger,

sans nager,

En mouillant 

guère,

Ce sont cent

Ce sont

milles corps

s'énoyant

Par terre.


Et soudain

comme

les expulsés

de la mer

tous nous sommes

les poissons

qui se taient.



POÈMES DE VIE PENDANT L'ÉPIDEMIE



III.


On couche

au bord

du temps,


Sur le lit

notre corps

sont les mémoires

qui nos soignent,


Le vide

des mots

inonde

le plafond


Et a chaque minute 

la tv announce 

qu'être libre 

c'est la vie 

dans le prison,


Pendant que 

le désir

s'envole

et se perd

dans l´horizon.


Andrea Campos




POÈMES DE VIE PENDANT L'ÉPIDEMIE.


II.


Ici, où l'histoire

est finie,

Ici  l'histoire

commence,


amalgame

de douleur

et jouissance,


un paradoxe

qui s'alligne

entre

le plaisir

et la souffrance,


Dans chaque larme,

un sourire

qui danse,


Entre moi

et moi,

toujours

une longue

distance


Et si tu

ecoute

dans la veillesse

les murmurs

de l' énfance,


Ici, où l'histoire

est finie,

Ici l'histoire

commence,


C'est pas

une coincidence.


Andrea Campos

I.


En soufflant ton nom

entre le volets de la fenêtre,

Le vent me rappelle

ce que je suis

ce qu'il faut être,


Tes mains

en glissant

sur mon corps

sont fragments

de mémoire

devant le miroir,


L'avenir est suspendu

et l'aujourd'hui

est un acte

de résistance


Mon âme tremble

entre l'abandon

et l'urgence


Et Il n'y a que

l'amour en silence

pour correspondance.


Andrea Campos



domingo, 10 de abril de 2022

 

Poemas de Patrícia Galvão






Nothing

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.

 Durante a Idade Média, 95% da população européia era analfabeta. A "leitura" da Bíblia era feita através da "leitura" dos desenhos dos vitrais das Catedrais. Com a invenção do livro impresso, por Gutenberg, em meados do séc. XV, previu-se o fim dessa "literatura". O escritor Victor Hugo no livro V de "Notre-Dame de Paris" afirma "le livre va tuer l'édifice": "Ceci tuera cela" (o livro vai matar o edifício), na voz do maravilhoso personagem, o "archidiacre" Claude Frollo. O efeito, no caso, foi contrário. Com o retumbante sucesso do livro de Hugo, a Catedral de Notre-Dame de Paris foi restaurada a partir de 1841. Ou seja, em tempos de questionamentos se a leitura virtual vai matar os livros, é hora do mundo virtual "CUIDAR" dos LIVROS.




quarta-feira, 6 de abril de 2022

A LEITEIRA





Ele vinha carregando uma leiteira, por uma estrada pedregosa com seus pés esburacados. As unhas tinham um preto que era a tinta das suas sombras, de seus sonhos sempre arrevesados. 


Tinha aprendido a ser um real de revés e a sonhar como quem se escoava da morte. Algumas feridas denunciavam joelhos calosos e gotas de sangue estancado eram a prova de que ainda estava vivo.


 Mas ele vinha, vinha, perfurando uma manhã que lhe extraía gota a gota o suor. Chegou ao alpendre da casa, abriu a porta e o chão de barro refrescou a sua alma. Sobre o colchão de palha um corpo de moça. Moça delgada com ossos que raspavam as tiras de lençol. 


A sua púbis se oferecia às nesgas de luz e brilhavam-lhe alguns pentelhos ralos. Ele deixou a leiteira sobre uma mesa de madeira rachada. Aproximou-se... Ela arfava, pausadamente, vez em quando soprava-lhe pedaços de suspiro. Tinha uma pele ajambada, ressequida e o cabelo de um crespo úmido. Ele pôs a mão em seu rosto, ela deu um muxoxo e abriu-lhe os olhos de soslaio. Eram uns olhos cor de malva respingados de um amarelo-sol.


Novamente, ela o espiou por entre as persianas dos cílios e apertou-lhe a mão. Naquele instante, ele todo se refez, sabia que ela o amava e ele era um homem outro, o coração bombava-lhe o tempo infinito cicatrizando-lhe as chagas. 


Ela, novamente adormeceu, mas o corpo dele só ali amanhecia. Novamente se fez silêncio. Mas nele cabiam  todas as palavras, as palavras dele, as palavras dela que se traduziam na vida em expansão.


Andrea Campos

segunda-feira, 4 de abril de 2022

 Duendes e Gnomos



Sou menestrel da noite,

Duendes e gnomos 

Me cortejam 

E se acendem 

Quando penetro a tua memória. 


Há um vestido transparente 

De estrelas que me acaricia a pele, 

Mas é o teu delírio 

Que me espeta e me faz luzir 

Com as pontas eriçadas. 


Como em magia deslizarás 

para o mais profundo de ti em mim. 


Deixa que a tua carne 

Despenque em meu abismo 

Para que eu sorva o teu segredo

Com meu manto sagrado em luz.


Andrea Campos

domingo, 3 de abril de 2022

 "ME LEIA ENQUANTO ESTOU QUENTE" 

(Lígia Fagundes Telles)


Clarice Lispector: Qual é a raiz de um texto seu?


Lígia Fagundes Telles: O  artista é um visionário. Um vidente. Tem passe livre no tempo que ele percorre de alto a baixo em seu trapézio voador que avança e recua no espaço: tanta luta, tanto empenho que não exclui a disciplina. A paciência. A vontade do escritor de se comunicar com o seu próximo, de seduzir esse público que olha e julga. Vontade de ser amado. De permanecer. Nesse jogo ele acaba por arriscar tudo. Vale o risco? Vale se a vocação for cumprida com amor, é preciso se apaixonar pelo ofício, ser feliz nesse ofício. Se em outros aspectos as coisas falham (tantas falham) que ao menos fique a alegria de criar.