domingo, 31 de maio de 2015

"Vamos de bonde?
     Não, vamos a pé...

     Eu, esse vosso cronista confuso, misto de acadêmico marginal e escritor bastardo, produzi exatamente essa resposta em algum dia de 1951, em Juiz de Fora, quando fui buscar a Zelinha no ensaio do teatro do colégio em que ela estudava. Era um dia chuvoso e nós andamos da Rua Halfeld até o Alto dos Passos debaixo de um mesmo guarda-chuva, o que me permitia ficar fisicamente próximo do ser idolatrado.

     Preferi o caminhar (que é velho e lento) ao bonde (que, naqueles tempos antigos, era veloz e confortável). Mas, em compensação o "passeio" sinônimo do andar sem rumo — metáfora do andar lado a lado —, essa raridade, esse caminhar junto (metafórico do peregrinar, do pertencer e do estar com o outro), subvertia os meios e os fins como a melhor prova de que estava apaixonado, tal como eu hoje enxergo que são essas substituições que nos tornam humanos. Só nós podemos realizá-las. Nem os anjos (que são perfeitos, mas não se reproduzem) nem animais (que são imperfeitos e se reproduzem além da conta) sabem o que é esse pertencer sofrido que vem de dentro para fora — como exprime o coração humano que está dentro e, ao mesmo tempo fora de nós."

Roberto DaMatta in "Brasileirismos - Além do jornalismo, aquém da antropologia e quase ficção".

quinta-feira, 28 de maio de 2015

As voluptuosas mulheres "Rococó" (Escola de pintura de origem francesa no Séc. XVIII): François Boucher, Jean-Honoré Fragonard e Jean-Antoine Watteau.

Jean-Honoré Fragonard

Jean-Honoré Fragonard
Jean-Antoine Watteau

Jean-Antoine Watteau

François Boucher

François Boucher

quarta-feira, 27 de maio de 2015


Ruído de passos



Clarice Lispector


Tinha oitenta e um anos de idade. Chamava-se dona Cândida Raposo.
Essa senhora tinha a vertigem de viver. A vertigem se acentuava quando ia passar dias numa fazenda: a altitude, o verde das árvores, a chuva, tudo isso a piorava. Quando ouvia Liszt se arrepiava toda. Fora linda na juventude. E tinha vergonha quando cheirava profundamente uma rosa.

Pois foi com dona Cândida Raposo que o desejo de prazer não passava.

Teve enfim a grande coragem de ir a um ginecologista.

E perguntou-lhe envergonhada, de cabeça baixa:

- Quando é que passa?
- Passa o quê, minha senhora?
- A coisa.
- Que coisa?
- A coisa, repetiu. O desejo de prazer, disse enfim.
- Minha senhora, lamento lhe dizer que não passa nunca.

Olhou-o espantada.

- Mas eu tenho oitenta e um anos de idade!
- Não importa, minha senhora. É até  morrer.
- Mas isso é o inferno!
- É a vida, senhora Raposo.

A vida era isso, então? essa falta de vergonha?

- E o que é que eu faço? ninguém me quer mais...

O médico olhou-a com piedade.

- Não há remédio, minha senhora.
- E se eu pagasse?
- Não ia adiantar de nada. A senhora tem que se lembrar que tem oitenta e um anos de idade.
- E... e se eu me arranjasse sozinha? O senhor entende o que eu quero dizer?
- É, disse o médico. Pode ser um remédio.

Então saiu do consultório. A filha esperava-a embaixo, de carro. Um filho Cândida Raposo perdera na guerra, era um pracinha. Tinha essa intolerável dor no coração: a de sobreviver a um ser adorado.

Nessa mesma noite deu um jeito e solitariamente satisfez-se. Mudos fogos de artifícios. Depois chorou. Tinha vergonha. Daí em diante usaria o mesmo processo. Sempre triste. É a vida, senhora Raposo, é a vida. Até a bênção da morte.

A morte.

Pareceu-lhe ouvir  ruído de passos. Os passos de seu marido Antenor Raposo. 


*Tela de Watteau



(A um Pierrô de Picasso)

                                      Manoel de Barros






Pierrô é desfigura errante,
andarejo de arrebol.
Vivendo do que desiste,
se expressa melhor em inseto.

Pierrô tem um rosto de água
que se aclara com a máscara.
Sua descor aparece
como um rosto de vidro na água.

Pierrô tem sua vareja íntima:
é viciado em raiz de parede.
Sua postura tem anos
de amorfo e deserto.

Pierrô tem o seu lado esquerdo
atrelado aos escombros.
E o outro lado aos escombros.
.................
Solidão tem um rosto de antro.
                                                    

Oswald de Andrade
Manifesto Antropofágico
 1928 (Trecho inicial)

Só a Antropofagia nos une. Socialmente.
Economicamente. Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos
os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as
religiões. De todos os tratados de paz.

Tupi, or not tupi that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos
Gracos.
Abaporu (homem que come gente) de Tarsila do Amaral.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei
do antropófago.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Trecho do belo, poético e crítico livro recém-lançado pelas historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling: "Brasil: Uma Biografia".


"O Brasil recebeu 40% dos africanos que compulsoriamente deixaram seu continente para trabalhar nas colônias agrícolas da América portuguesa, sob regime de escravidão, num total de cerca de 3,8 milhões de imigrantes. Hoje, com 60% de sua população composta por pardos e negros, o Brasil pode ser considerado o segundo mais populoso país africano, depois da Nigéria. Além do mais, e a despeito dos números controversos, estima-se que em 1500 a população nativa girasse em torno de 1 milhão a 8 milhões, e que o "encontro" com os europeus teria dizimado entre 25% e 95%. (...)

Construída na fronteira, a alma mestiça do Brasil - resultado de uma mistura original entre ameríndios, africanos e europeus -, é efeito de práticas discriminatórias já centenárias, mas que, ao mesmo tempo, levam à criação de novas saídas. Como dizia Riobaldo Tatarana, um personagem dileto do escritor Guimarães Rosa, "por cativa em seu destinozinho de chão, é que árvore abre tantos braços" - e, se a alma é híbrida, são muitos os braços do Brasil. O Brasil com frequência escapa aos lados opostos da moeda, construindo práticas culturais que mancham barreiras mais óbvias, e assim nos distinguem e nos incluem no mundo - sempre na condição de brasileiros."









segunda-feira, 25 de maio de 2015

LOVE'S UNION
SONG OF SONGS 1:12-15 (Holy Bible)

For the king's banquet
My nard gives forth its fragrance.
My love is for me a sachet of myrrh
To rest in my bosom.
My lover is for me a cluster of henna
From the vineyards of Engedi.

Ah, you are beautiful my beloved,
Ah, you are beautiful; your eyes are doves.
Van Eyck
Nesse belo texto de Mário Quintana, podemos inferir para a área jurídica que, de fato, o socioafetivo se sobrepõe ao biológico. Para a vasta área da vida, inferimos que, para as relações afetivas, o que vale, nem sempre será o óbvio...


Velha História

                       Mário Quintana



Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então, ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelo café. Como era tocante vê-los no "17"! o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando do peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial... Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho: "Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..." Dito isso, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho n’água. E a água fez redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado... 

sábado, 23 de maio de 2015

Casa Rosa - A nossa casa da União Brasileira de Escritores em Recife. Um típico casarão do séc. XIX em uma chácara na beira do rio Capibaribe.





Fachada

Sala de Leitura

Aqui, estou em frente ao vagão-biblioteca (um vagão de trem de verdade nos jardins da Casa)

Sala de Estar


Em dia de lançamento de livros


domingo, 17 de maio de 2015

Instituto Ricardo Brennand - Museu em Recife, Pernambuco - Brasil. Eleito pelos usuários do TripAdvisor como o melhor museu da América do Sul e o 17o melhor do Mundo.