PRESIDENCIALISMO LATINOAMERICANO: JOAQUIM NABUCO JÁ HAVIA "AVISADO"…
Nesses
dias em meio a essa Pandemia, na qual a cada minuto constatamos que a
estatura dos homens que exercem o poder em terras Tupiniquins são
dignas de Lilliput, ainda bem que tenho tido a companhia de Joaquim
Nabuco.
O
fato é que temos um problema e um problema que atravessa não apenas
o atual mandato presidencial, mas, ao menos, três deles após a
redemocratização: O nosso Sistema Presidencialista. O nosso modelo
de presidencialismo e a forma como nele se articulam os três poderes
e a vontade popular que, por princípio, deve ser sempre soberana.
De
forma exaustiva temos acompanhado a permanente digladiação entre os
poderes, além de termos sofrido dois traumáticos processos de
impeachment. Sim, um processo de impeachment é sempre traumático,
uma vez que, necessariamente, envolve a eventual prática de crimes
cometidos pelo Chefe do Executivo. A nossa cultura política é
alimentada por uma espécie de sebastianismo messiânico no qual se o
nosso dirigente maior não dispuser de uma concentração de poderes
e de um caráter de inamovibilidade durante o seu mandato, o nosso
sentimento de segurança política não se sustenta. Forjados em uma
história de raiz fortemente patriarcal, é-nos difícil aceitar um
chefe que não seja um pai, um salvador, um "político de
estimação" ao qual, nós, seus eleitores vassalos não lhe
devamos absoluta concordância, lealdade e fidelidade.
Mas,
como eu ia dizendo, Nabuco já havia "avisado" e olha que
não gosto muito dessa expressão, acho-a arrogante. Utilizo-me dela
por ser a da moda e porque aqui não se trata de uma eventual vaidade
nabuquiana de sobrepor-se sobre os demais e menoscabá-los com a sua
capacidade profética, mas de uma leitura que nos faz corroborar com
os estudos e as avaliações daquele que nos deixou há mais de um
século.
Em
seu belo livro "Minha Formação", Nabuco, afirmando a
influência recebida por seu espírito pelo pensamento de Bagehot,
sustenta o seu convencimento de que o modelo presidencialista, no
caso, o americano, seria menos eficaz, harmonioso entre os poderes e,
inclusive, democrático do que o sistema de gabinete. Nabuco era um
liberal e ardoroso defensor da Monarquia, mas insistia em dizer a Dom
Pedro II: O Rei reina, mas não governa. Reverberar a validade das
palavras de Nabuco para os dias de hoje não significa, de modo
algum, defendermos o regime monárquico, mas de interrogarmos o
Presidencialismo no atual modelo latinoamericano e que tem nos
causado tantos "traumas". Ouçamos a voz de Nabuco:
"O
sistema inglês, diz Bagehot, não consiste na absorção do poder
executivo pelo legislativo, consiste na fusão deles. O rival desse
sistema é o que ele chamou de sistema presidencial. Essas
designações são hoje usadas por todos, mas são todas dele.
Continua Bagehot "A qualidade distintiva do governo presidencial
é a independência mútua do legislativo e do executivo, ao passo
que a combinação e a fusão desses poderes serve de princípio ao
governo de gabinete". [...] Além do enfraquecimento causado por
esse antagonismo do legislativo, o sistema presidencial enfraquece o
poder executivo, diminuindo-lhe o seu valor intrínseco. [...] Todas
essas vantagens (do sistema de gabinete), porém, são ainda mais
preciosas em tempos difíceis do que em tempos calmos. Maior quando
se está a braços com grandes questões do que quando se trata de
negócios insignificantes. O governo parlamentar, em que existe um
gabinete, possui, além disso, um mérito particularmente útil nos
tempos tormentosos: o de ter sempre à sua disposição uma reserva
de poder pronta para operar, quando circunstâncias extremas o
exijam...
Há
um presidente escolhido por um lapso de tempo fixo e inamovível. Não
há em tudo isso nada de elástico. Aconteça o que acontecer, não
se pode precipitar, nem adiar.É um governo encomendado de antemão,
e, convenha ou não, ande bem ou mal, preencha ou não as condições
desejadas, a lei obriga a conservá-lo.
Em
tempo de guerra ou de relações diplomáticas complicadas, é que se
vê o defeito desse sistema em toda luz. Esse sistema, diz Bagehot,
pode-se resumir em uma palavra: governar pelo desconhecido. Ninguém
tem a menor ideia do que pode ser um presidente, nem do que ele pode
fazer*. Nós nem mesmo imaginamos que se possa confiar o exercício
da soberania a um desconhecido.
Um
governo de gabinete pode ser um governo mais direto e imediatamento
do povo do que o Presidencialismo americano "Uma vez que o povo
americano escolheu o seu Presidente, ele não pode mais nada". A
Câmara dos Comuns, essa, porém, faz e desfaz o gabinete, de modo
que o governo está sempre nas mãos da representação nacional.
Comparados
os dois governos, o norte-americano ficou-me parecendo um relógio
que marca as horas da opinião, o inglês, um relógio que marca até
os segundos."
(Joaquim
NABUCO in "Minha Formação").
Portanto,
já passa da hora de discutirmos essa urgente questão de fundo: os
tons de nosso modelo Presidencialista de Governo.
Afinal,
Joaquim Nabuco avisou....