Dulcinéia
Ser quixotesca, burlesca,
bailar em moinhos de vento.
Enxergar o mundo à altura
do Cavaleiro da Triste Figura.
Desenroupar-me de pensamento,
ser só picaresca, nenhum lamento,
reinar em vendas como
em castelos,
fazer-me ouro com os meus
farelos,
Transformar delitos
em só justiça,
todos os desditos
em sagrados ritos,
os laivos do verdugo
em contra-dança,
Da terra malferida
sacar a lança
e fazer do sangue
a esperança.
Ter Sancho em mim
num só caminho.
Pois ninguém se é
se é sozinho.
Esporar a casca
de Rocinante
num destemor
de cavaleiro andante,
desvalindo torres
e qualquer
gigante.
E quando
arriasse a noite
com seu açoite
e da batalha eu só
colhesse o nada,
ser só Dulcineia
a senhora amada,
a que por só desejo
é trespassada.
Assim vou pintando
de passo em sonho
as tintas do belo
no real medonho,
remetendo ao prelo
essa tão formosa prancha
onde a carne do mundo
tem a alma sem Mancha.
Andrea Campos