sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

 MICHELÂNGELO e o CAPITALISMO FINANCEIRO.

(E o que isso tem a ver conosco...)


MICHELÂNGELO e o CAPITALISMO FINANCEIRO.

(E o que isso tem a ver conosco...)





"Caríssimo pai,


Por vossa última carta soube que devolvestes quarenta ducados ao

spedalingo. Fizestes bem, mas, caso venhais a saber que estão em perigo, rogo-vos que me aviseis.

...


Michelângelo Buonarroti, escultor em Roma."


Aquele que, desavisadamente, procure pesquisar nas cartas de Michelângelo Buonarroti os seus arroubos espirituais e ilações sobre a Arte, fatalmente frustrar-se-á. Para tanto, a recomendação é que leia os seus sonetos. Ao esquadrinhar as suas cartas, no entanto, terá a oportunidade de deparar-se com o imprevisto e inusitado: As bases do atual capitalismo financeiro.


Através dessas cartas, de imediato, percebemos o forte compromisso que o artista tinha com as demandas práticas da vida e a luta pela sobrevivência. E mais,  por meio dessas missivas temos a confirmação de que  as cidades italianas foram mesmo o gérmen do capitalismo financeiro mundial, onde nasceu o atual sistema monetário. Para um financista, economista, banqueiro, professor de direito comercial, as cartas escritas por Michelângelo revelam-se  uma fonte robusta e preciosa para análises históricas sobre os albores do capitalismo e do sistema bancário.


Michelângelo era filho de uma família orgulhosa, de raízes nobres e  falida. A virulência com a qual o seu pai respondia aos seus anseios de vida artística, justificavam-se no seu pavor de que a família, além de degradada financeiramente, decaísse ainda mais, passando do valorizado trabalho intelectual, para o depreciativo trabalho manual. Se a vocação de Michelângelo tinha os eflúvios da arte, em essência, para o seu pai,  não passava da vocação para um trabalho de pedreiro e pintador de paredes. 


Foi apenas ao perceber que os dotes de seu filho eram excepcionais, que o senhor Lodovico Buonarroti aquiesceu com que o menino frequentasse uma oficina de arte, e não sem receber bons ducados por isso. Foi assim que Michelângelo passou a ser arrimo de família e a sustentar não apenas o seu pai, mas a auxiliar financeiramente os seus quatro irmãos. 


Muito cioso dessa responsabilidade, a de reerguer a sua família financeiramente, o artista sempre esteve muito  disposto às lutas renhidas para ganho do pão de cada dia e atento ao devido  pagamento por seu trabalho: era um grande empresário de si mesmo e altivo credor de uma remuneração justa a ser angariada em troca dos frutos de sua genialidade.


Se trabalhou sacrificadamente na pintura da abóbada da Capela Sistina não o fez sem ter recebido muito bem pela tortura, um montante que equivaleria, atualmente, a quase um milhão de dólares.


Mas voltemos às cartas escritas por Michelângelo. O que me causou perplexidade e inopinada surpresa foi verificar como no século XVI, o sistema bancário, financeiro na Itália, menos do que primitivo, era extremamente azeitado, rápido e eficaz. Em tempos nos quais não existiam as tecnologias atuais, admirei-me como Michelângelo estava a todo o tempo fazendo transações financeiras: transferências, investimentos, aplicações e empréstimos. E o quanto isso acontecia de forma segura e célere. 


Mais do que qualquer atividade de raiz anglo-saxã ou germânica, e todas as suas importantes contribuições, incontornavelmente, as cidades italianas renascentistas são o berço do nosso atual sistema financeiro e cambiário. Ou seja, o capitalismo financeiro é latino,  nasceu no Lácio. É mais uma contribuição longeva da cultura italiana para a História.


Basta debruçarmo-nos um pouco mais sobre o tema, para  reafirmarmos  que a República Florentina que possibilitou o renascimento artístico foi forjada por uma classe poderosa de comerciantes e banqueiros. A força desse contingente era que fazia circular e reproduzir o capital desde a criação do "florim de ouro" em 1252, moeda que junto ao ducado veneziano seria por mais de três séculos o que hoje é o dólar, ou seja, um padrão monetário mundial.  Força econômica que não apenas possibilitou o renascimento das artes e das ciências, mas também, viabilizou as navegaçõesve as descobertas do novo mundo. Lembremo-nos que, enquanto Michelângelo esculpia a Pietá, o Davi e pintava o teto da Capela Sistina, as Américas tinham sido alcançadas por Américo Vespúcio que, por sinal, é um florentino.


Sim, Américo Vespúcio, esse que dá nome ao nosso continente e à nossa identidade territorial foi um navegador e comerciante florentino, representante de armadores e banqueiros de sua terra que financiaram os anseios expansionistas dos países ibéricos, o que faz de nós, de algum modo, também filhos de Florença. Portanto, e peço-lhe para que não ria: irmãos de Michelângelo...


Nessas cartas michelangeanas, portanto, nas quais, se há pouca espiritualidade e Arte, há, no entanto,  muitas chaves preciosas para o desvencilhamento  do funcionamento do  sistema bancário e financeiro florentino, esteio de nosso mundo capitalista atual, que bem ou mal, nos possibilitou e do qual Michelângelo era um ativo correntista... 


Ao final de sua vida, Michelângelo era um homem rico, riquíssimo. Rico a tal ponto de nada ter cobrado para fazer o projeto da cúpula da Basílica de São Pedro. Dizia que a faria, unicamente, por adoração a Deus...


Mas, mesmo tendo se servido durante toda a sua vida do já avançado sistema capitalista financeiro italiano, Michelângelo preferia trazer boa parte de suas riquezas junto a si. Se entregou a sua alma a Deus e o seu corpo à terra, sob o seu leito de morte jaziam milhões de florins em pedras de ouro.


"Caríssimo pai,


Por vossa última carta soube que devolvestes quarenta ducados ao

spedalingo. Fizestes bem, mas, caso venhais a saber que estão em perigo, rogo-vos que me aviseis.

...


Michelângelo Buonarroti, escultor em Roma."


Aquele que, desavisadamente, procure pesquisar nas cartas de Michelângelo Buonarroti os seus arroubos espirituais e ilações sobre a Arte, fatalmente frustrar-se-á. Para tanto, a recomendação é que leia os seus sonetos. Ao esquadrinhar as suas cartas, no entanto, terá a oportunidade de deparar-se com o imprevisto e inusitado: As bases do atual capitalismo financeiro.


Através dessas cartas, de imediato, percebemos o forte compromisso que o artista tinha com as demandas práticas da vida e a luta pela sobrevivência. E mais,  por meio dessas missivas temos a confirmação de que  as cidades italianas foram mesmo o gérmen do capitalismo financeiro mundial, onde nasceu o atual sistema monetário. Para um financista, economista, banqueiro, professor de direito comercial, as cartas escritas por Michelângelo revelam-se  uma fonte robusta e preciosa para análises históricas sobre os albores do capitalismo e do sistema bancário.


Michelângelo era filho de uma família orgulhosa, de raízes nobres e  falida. A virulência com a qual o seu pai respondia aos seus anseios de vida artística, justificavam-se no seu pavor de que a família, além de degradada financeiramente, decaísse ainda mais, passando do valorizado trabalho intelectual, para o depreciativo trabalho manual. Se a vocação de Michelângelo tinha os eflúvios da arte, em essência, para o seu pai,  não passava da vocação para um trabalho de pedreiro e pintador de paredes. 


Foi apenas ao perceber que os dotes de seu filho eram excepcionais, que o senhor Lodovico Buonarroti aquiesceu com que o menino frequentasse uma oficina de arte, e não sem receber bons ducados por isso. Foi assim que Michelângelo passou a ser arrimo de família e a sustentar não apenas o seu pai, mas a auxiliar financeiramente os seus quatro irmãos. 


Muito cioso dessa responsabilidade, a de reerguer a sua família financeiramente, o artista sempre esteve muito  disposto às lutas renhidas para ganho do pão de cada dia e atento ao devido  pagamento por seu trabalho: era um grande empresário de si mesmo e altivo credor de uma remuneração justa a ser angariada em troca dos frutos de sua genialidade.


Se trabalhou sacrificadamente na pintura da abóbada da Capela Sistina não o fez sem ter recebido muito bem pela tortura, um montante que equivaleria, atualmente, a quase um milhão de dólares.


Mas voltemos às cartas escritas por Michelângelo. O que me causou perplexidade e inopinada surpresa foi verificar como no século XVI, o sistema bancário, financeiro na Itália, menos do que primitivo, era extremamente azeitado, rápido e eficaz. Em tempos nos quais não existiam as tecnologias atuais, admirei-me como Michelângelo estava a todo o tempo fazendo transações financeiras: transferências, investimentos, aplicações e empréstimos. E o quanto isso acontecia de forma segura e célere. 


Mais do que qualquer atividade de raiz anglo-saxã ou germânica, e todas as suas importantes contribuições, incontornavelmente, as cidades italianas renascentistas são o berço do nosso atual sistema financeiro e cambiário. Ou seja, o capitalismo financeiro é latino,  nasceu no Lácio. É mais uma contribuição longeva da cultura italiana para a História.


Basta debruçarmo-nos um pouco mais sobre o tema, para  reafirmarmos  que a República Florentina que possibilitou o renascimento artístico foi forjada por uma classe poderosa de comerciantes e banqueiros. A força desse contingente era que fazia circular e reproduzir o capital desde a criação do "florim de ouro" em 1252, moeda que junto ao ducado veneziano seria por mais de três séculos o que hoje é o dólar, ou seja, um padrão monetário mundial.  Força econômica que não apenas possibilitou o renascimento das artes e das ciências, mas também, viabilizou as navegaçõesve as descobertas do novo mundo. Lembremo-nos que, enquanto Michelângelo esculpia a Pietá, o Davi e pintava o teto da Capela Sistina, as Américas tinham sido alcançadas por Américo Vespúcio que, por sinal, é um florentino.


Sim, Américo Vespúcio, esse que dá nome ao nosso continente e à nossa identidade territorial foi um navegador e comerciante florentino, representante de armadores e banqueiros de sua terra que financiaram os anseios expansionistas dos países ibéricos, o que faz de nós, de algum modo, também filhos de Florença. Portanto, e peço-lhe para que não ria: irmãos de Michelângelo...


Nessas cartas michelangeanas, portanto, nas quais, se há pouca espiritualidade e Arte, há, no entanto,  muitas chaves preciosas para o desvencilhamento  do funcionamento do  sistema bancário e financeiro florentino, esteio de nosso mundo capitalista atual, que bem ou mal, nos possibilitou e do qual Michelângelo era um ativo correntista... 


Ao final de sua vida, Michelângelo era um homem rico, riquíssimo. Rico a tal ponto de nada ter cobrado para fazer o projeto da cúpula da Basílica de São Pedro. Dizia que a faria, unicamente, por adoração a Deus...


Mas, mesmo tendo se servido durante toda a sua vida do já avançado sistema capitalista financeiro italiano, Michelângelo preferia trazer boa parte de suas riquezas junto a si. Se entregou a sua alma a Deus e o seu corpo à terra, sob o seu leito de morte jaziam milhões de florins em pedras de ouro.



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

 "MOISÉS, POR QUE NÃO FALAS?": MICHELÂNGELO E OS SEUS EMBATES COM DEUS.



A maneira mais simples, imediata e, a princípio, acessível a todas as pessoas para modelar a forma humana é a sua reprodução natural. Sementes masculinas e femininas fecundam-se e basta: A carne se faz  carne. Michelangelo desejava reproduzir a forma humana em seu mais alto esplendor, com a fidelidade às imagens espelhadas nas linhas divinas, e algo incomodava-o profundamente: A precariedade e a provisoriedade da vida humana. A sua mortalidade.


 Para sanar o ciclo da mortalidade, era insuficiente a carne fazer-se carne, sendo essa, inclusive a raiz da eterna finitude. É quando, Michelângelo, uma vez ciente de seus dons, inicia o seu embate com Deus. Tira-lhe a narrativa de criar o homem do pó na sua representação Sistina, pois, mesmo se vindo do pó, Adão em seu afresco apresenta-se já feito, cabendo a Deus apenas oferecer-lhe a vida através de uma centelha elétrica. A narrativa de modelar o homem do pó, será dele, de Michelângelo, e como um Prometeu desafiará Deus na sua obsessão de conferir a esse mesmo homem, aquilo o que Deus lhe negou: perfeição e eternidade. 


E é do pó que Michelângelo fará nascer o Davi, e é da pedra que Michelângelo, em suas palavras, "libertará" a Pietà. No corpo a corpo com a pedra, na batalha entre o pó de sua carne e a carne da pedra feita em pó.


Uma vez finalizada a escultura do profeta Moisés, talhada para o mausoléu do Papa mecenas, Júlio II, Michelângelo, em um ato de delírio, inebriado com a perfeição do que ele próprio criara, começa a martelar a estátua fervorosamente e a repetir: "Moisés, por que não falas!!!!!!????". Para decepção de Michelângelo, a imortalidade é muda, pois não tem mais nada a pedir.


Banhado no fogo de seu talento que, diversamente de Prometeu, não foi roubado, mas ofertado por Deus, Michelângelo, assim como Prometeu, respirou uma longa vida atrelado a uma rocha, escravo da beleza e do infinito a fazer brotar das pedras.


Esculpiu carnes em pedra até os últimos de seus dias. Mas, nos anos que antecederam a sua morte, da ânsia pela eternidade da pedra já havia se libertado. Repreendia quem o chamasse de escultor, retrucando não ser nem escultor nem pintor, mas, simplesmente, "Michelângelo". 


E em sendo Michelângelo, sua carne morreu e em sendo o Moisés, sua arte falou para sempre. Em sendo a sua alma, entregou-a a Deus.