terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

RADUAN NASSAR: O FILHO PRÓDIGO
                               Andrea Almeida Campos






Raduan Nassar é o maior escritor de ficção brasileira na contemporaneidade. O vigor semântico que colhemos em seu texto é um empuxo delirante ao imaginário. Deslizamos em seu corpus discursivo como quem segue, descarriladamente, rumo a um gozo em abismo. Lê-lo é receber, num clímax, jatos léxicos em golfadas respingando nos olhos. A literatura de Nassar é a que mais e melhor me coloca em face dos conflitos e da essência do masculino, leio-o sempre em posição de embate com esse corpus masculino em riste, vulnerável e nu. Li toda a obra já publicada de Nassar, que é curta: os dois romances "Lavoura Arcaica" e "Um Copo de Cólera" e os seus contos. Nassar recebeu o Prêmio Camões, o mais alto Prêmio concedido a escritores de língua portuguesa. Nassar que abandonou a literatura desde os anos 80 para recolher-se a uma vida telúrica, substituindo as incursões pela ancestralidade da palavra, às incursões pela ancestralidade da terra. Abandonou a literatura e se exilou na zona rural paulista. Diz ele que a abandonou não apenas como escritor, mas também, como leitor. E como isto nos fascina, nós que somos fascinados pelo simbólico, enredados em nossa dependência incontornável aos signos e aos seus desvarios. Raduan Nassar passou, então, a ser o nosso Rimbaud verdeamarelo, um Atlante literário com seus enigmas indesvencilháveis. Ele abandonou a literatura como o seu personagem André em Lavoura Arcaica abandonou a casa paterna. Mas assim como André, ele retorna à casa "arcaica" em um dia de festa, sendo a atual festa, a destinada a receber o seu tão merecido prêmio. Assim como André ele ressalta os seus conflitos com a casa paterna (o Estado Brasileiro atual) e, dentro dele, as suas paixões incestuosas encarnadas em suas próprias contradições. Encarnadas em seu prêmio, objeto de desejo incestuoso que se lhe oferece, tal como a irmã do personagem André, Ana, se lhe oferece em sua festa de retorno ao lar paterno. Assim como André, Raduan Nassar tece o seu libelo contra um "Pai" autoritário e que ele tem por desarrazoado. Por sua vez, o Ministro, que ali representa o "Pai", ao invés de aparar as arestas e amortecer a fala sofrida do filho pródigo, que é como o fazem os pais ao receberem de volta os seus filhos, acolhendo-os com suas generosidades, acirra o conflito, desferindo-lhe agressões nessa discussão que é, no fundo, uma discussão parental profunda. Passado o fato, tudo se discute, menos a Literatura Brasileira em seu dia de festa. Essa que é permanentemente golpeada e tem seus pedaços lançados à invisibilidade. Somos eternos carentes de reconhecimento de nossa qualidade literária. Ao mesmo tempo, parece que apenas nos sentimos à vontade em comemorarmos carnaval e futebol. Quanto às produções intelectuais, preferimos nos recolher à nossa eterna face da derrota. Passadas as discussões políticas em torno do evento, ou até mesmo, paralelo a elas que de forma alguma podem ser silenciadas, é hora de nos darmos o prazer de comemorarmos a obra do nosso maior escritor de ficção vivo. Está na hora de nos rejubilarmos com a nossa Grande Literatura. Está na hora de nos livrarmos dessa inexcedível culpa e assumirmos, sem medo, os nossos gozos e a nossa possibilidade de gozar intelectualmente cada vez mais, mais e mais. A literatura brasileira não pode ser sempre esse grande feto enredado em si mesmo, e que nós, bêbados de cólera, insistimos em golpear em contra-palavras o seu nascer pra o mundo. "Queiram ou não queiram os juízes", Nassar nasceu pra o mundo e, mais que tudo, queira ou não queira o seu Pai, legítimo ou ilegítimo, assim é o nosso Raduan Nassar que, de uma vez por todas, nasceu e nasceu pra sempre.