Andrea Campos
I.
Escavar memória,
garimpar desejo,
untar a pele
com o suor da noite,
plantar-me em tua mão,
escorrer-me em luz,
aguar-me em teu olhar,
abrir-me serena e toda
em pétalas de estrela.
Van Gogh
II.
Amar é soletrar o tempo, não mais ser palavra ao vento, mas palavra ancorada na palavra, Acender a letra e incendiar o dia. |
Turner |
III.
Amar é a palavra dele em meu gineceu,
e a palavra dele
sou eu.
Van Gogh
IV.
Basta um sopro teu pra eu me içar inteira. Na tua boca brinca um zéfiro cantando o meu destino. |
Joaquín Sorolla |
Beijo:
Recolher os olhos
e sor(ver) com a boca.
Egon Schiele VI. E o meu desejo, trêmulo, se esconde enquanto meu pensamento me espia. |
Bosch
VII.
Caçar o grito,
fustigar a dor,
revolver a sombra
e salvar a cor.
Edvard Munch
VIII.
Foi quando, de repente, fitei o céu
e quase que da vida, enfim, desperto.
Nunca a lua de mim
me pareceu tão perto.
Van Gogh
IX.
Favor não insistir.
Menos do que paixão
eu não tenho pra dar.
Gustav Klimt
X.
Sinos de natal:
Você toca em mim,
eu toco badaladas.
Tudo em mim acorda
e, de repente,
existe.
Claude Monet
XI.
E era tudo o que ela queria.
Ser toda e tudo,
reivindicar a noite
e arder num raio
de estrela-poesia.
Van Gogh
XII.
Numa erupção,
ele se derreteu em tinta e cor.
E me pintou de amor.
Turner
XIII.
Quando nada mais lhe restava a ser,
foi só desejo,
e engoliu a noite
enquanto de seu ventre
ia escorrendo o dia.
Claude Monet
XIV.
Não há passado, só memórias.
Não há presente, só sentidos.
Não há futuro, só desejos.
Georges de La Tour
XV.
Tempo: esse ser mudo
que não cessa de nos dizer.
Caravaggio
XVI.
Ser ou não ser?
Aconte(ser).
Poussin
XVII.
Não é o tempo que passa.
É o meu olhar que se es(vai)...
Caravaggio
XIX.
E quando vier a sombra,
ensaiar acender os lábios
e ser sempre íntima do sorriso.
Fragonard
XX.
Você aparece.
Algo acontece:
Tudo dentro em mim acorda,
tudo fora em mim adormece.
Ticiano
XXI.
Eu te sou,
Tu me és,
Nós nus somos.
Edvard Munch
XXII.
Por amor,
nunca chorei com os olhos,
mas sangrei com o ventre.
Então não te assustes,
se ao te amar assim,
tão simplesmente,
ao teu coração
eu ofereça um ventre,
de repente.
Gustav Klimt
XXIII.
Para te esquecer, amor,
tenho que desaprender
a arder em fagulhas
e retirar,
ai de mim, amor,
do coração,
tuas agulhas.
Caravaggio
XXIV.
Encontrar o amor
não é apenas encontrar
alguém pra se viver
melhor e mais,
mas, sobretudo,
encontrar um corpo
pra se morrer em paz.
Gustav Klimt
XXV.
Amar uma palavra,
amá-la
o mais profundo
possível
e percorrê-la
e retornar
a amá-la,
mesmo que ilegível.
Pierre-Auguste Cot
XXVI.
Já eram os sonhos ralos,
já eram as horas rentes,
ele teceu a sua pele
e plissou a carne
com os dentes.
Fragonard
XXVII.
O amanhã me atravessou
por entre as fendas,
bordou veludos, terciopelos,
rendas,
Trouxe com ele o teu olhar
a costurar-me o arrepio
e as tuas mãos,
esse imenso colar
a me dedilhar
fio a fio.
Marques de Oliveira
XXVIII.
O amor pode não ser
pra sempre,
um dia se quebra
o som da lira,
Mas quem diz
eu-te-amo
e não pra sempre,
ama de mentira.
Putz-Richard
XXIX.
E sobre a palavra
se estendia
a mais pura gaze.
O amor é sempre
uma oferta,
a oferta da frase.
Vermeer
XXX.
Um rio se contorcia
por entre margens
de pernas, cinturas,
coxas,
umedecendo
cavas de matas sombrias
e de begônias roxas.
Claude Monet (detalhe) |
XXXI.
Do ventre túrgido,
depois do amar,
escorriam
versos fúlgidos
ao fundo do mar.
Joaquín Sorolla |
XXXII.
Com o amor
em palavras
brinco.
De pérola, conchas
com ouvidos
forjam
a tua voz
no tempo.
Vermeer |
XXXIII.
O amor nos colheu
num vaso,
desde então,
não estamos sós.
Quando giram
os girassóis,
no amor
giramos nós.
Van Gogh
XXXIV.
O amor é palavra
no fogo selada.
Quanto a isso,
o que fazer?
Cavalgar e nada.
Rubens
XXXV.
Refinar o tempo,
tecer a luz,
ser um com um outro.
Num dossel de estrelas
ser a estrela vencida,
singrar desejos
e adorme(ser) teu nome.
Marc Chagall |
Azulejando restos do dia
fios da noite embaraçam
as horas,
Gotas de alfazema
na pele do sonho
eriçam desejos,
penteiam memórias.
Degas |
Não conhecia o amarelo
até conhecer Van Gogh,
Amar-elo é cor nobre,
muitas vezes pintá-la
não consigo,
Resta-me mergulhar
em Van Gogh
e voar sobre
os campos de trigo.
Van Gogh |
XXXVIII.
Sei que ainda sou tua
quando se arrepia a lua
com a tua língua roçando
na minha letra nua.
Rembrandt |
A vida é travessia sem fim,
cheia de gozo e cansaço,
mas atravessa-se um corpo
apenas lhe dando um abraço.
Klimt
XL.
"A fila anda" é, hoje, a norma de amor,
positivismo, cartesianismo confesso,
utilitarismo, "se não me serve, despeço".
Enjeitado, fica o amor que é sem método, disperso,
como empunhar o amor em ordem e progresso,
se amor é tantas vezes, ordem na desordem,
avanço no regresso?
positivismo, cartesianismo confesso,
utilitarismo, "se não me serve, despeço".
Enjeitado, fica o amor que é sem método, disperso,
como empunhar o amor em ordem e progresso,
se amor é tantas vezes, ordem na desordem,
avanço no regresso?
Roberto Ferri |
XLI.
Uma metáfora do amor: Teu nome.
Orazio Riminaldi |
XLII.
Toca-me para sempre ficar,
toca-me com o teu olhar.
"Baco e Ariadne" de Ticiano (Detalhe) |
XLIII.
Ver é não saber. Não ver, compreender.
"São Tomé" de Caravaggio |
XLIV
Clavicórdio,
Notas de teu cheiro
em tempos de sim e de não,
rodam a chave
de meu coração.
Vermeer |
XLV
Como ser assim tão clara
e a um só tempo tão serena?
Mais serena do que clara,
mais clara do que serena?
Fecundada em hora rara,
nunca o olhar de um pai
fez uma filha assim tão plena...
Vem e essa dor da vida sara,
ou torna-a, ao menos, mais amena,
sorri pra mim, sem pena,
para sempre, Clara Serena!
e a um só tempo tão serena?
Mais serena do que clara,
mais clara do que serena?
Fecundada em hora rara,
nunca o olhar de um pai
fez uma filha assim tão plena...
Vem e essa dor da vida sara,
ou torna-a, ao menos, mais amena,
sorri pra mim, sem pena,
para sempre, Clara Serena!
Clara Serena, filha do pintor Peter Paul Rubens |
XLVI
Quando há lua e há explosão: Fusão.
Joseph Wright of Derby |
XLVII
Fecundando estrelas....
Joseph Wright of Derby |
XLVIII
Angústia em traço,
célere gesto
tristonho,
raios de estrelas fazem um laço,
medo e sonho
(medonho),
e o pintor vai esculpindo
o espaço,
pincelando em gozo
o cansaço
que exponho...
Vincent Van Gogh XLIX Se o silêncio é de ouro e a palavra é de prata, o olhar é de amante. |
Pablo Picasso |
XLX
Sinto muito não ser muito,
e desse muito, quase nada,
mas desse quase ser uma fresta
iluminando a tua estrada.
Vincent van Gogh |
E se em palavras não consigo,
é no olhar que eu te bem-digo.
Georges Braque |
XLXX
Não tive uma vida em linha reta,
já derrapei por muitas dobras,
mas para ti trago as mãos cheias,
ainda que sejam as minhas sobras.
Parabéns pelo blog, Andrea, não só pelas belíssimas obras escolhidas, mas pelas lindas poesias e escritos, vindos de uma alma sensível, que sabe apreciar a arte da vida (ou a vida da arte)!
ResponderExcluirAbraços, Ricardo Buril.
Muito obrigada, por me oferecer um pedaço de teu tempo!
ExcluirForte abraço!
Andrea