quarta-feira, 24 de maio de 2017

"A psicanálise é interessante para se ver onde, nas maiores belezas, há coisas terríveis. Há o desejo, a morte, a crueldade, o mal, a doença. É o avesso, a outra face da moeda. Você tem, por exemplo, dois modos de ver Botticelli: ou você vê a primavera, a Vênus, tudo isso é muito lindo; ou vai um pouco mais longe e lembra que o nascimento da deusa é uma história aterrorizante. O sexo de um deus que foi cortado e cai no mar, com sangue e esperma."

Georges Didi-Huberman citado por Virgínia Leal in Facebook.

Se for psicanalisar, de fato, a obra de Sandro, a partir de seu desejo, verificaremos que a modelo para a sua Vênus é a mulher que ele amou até a morte, tendo escolhido, inclusive, ser sepultado a seus pés: a bela Simonetta Vespucci. Simonetta já estava morta havia nove anos, quando ele pintou o quadro. Ela era a sua Vênus, para ele, a representação de todo o Amor. Se a tinta do pintor fecunda a tela como um amálgama de seu sangue e de seu esperma, como uma mistura de paixão e promessa de vida derramados do falo de seu pincel, pincel-falo cortado de seu corpo e solto no mar, mar que é o sexo feminino na criação, com essa tinta Botticelli pintou não o nascimento, mas o renascimento de sua Vênus. Com a obra de arte, ele devolveu à Simonetta, o ar da existência. Ar soprado por Zéfiro, ninguém menos do que ele mesmo, esculpindo-lhe a vida. Integrados, portanto, todos os seus elementos: deuses, sangue e esperma, amor e vida, concha, mar e falo, a tela é de uma beleza inefável. Sob qualquer perspectiva.


Andrea Campos