"A psicanálise é
interessante para se ver onde, nas maiores belezas, há coisas terríveis. Há o
desejo, a morte, a crueldade, o mal, a doença. É o avesso, a outra face da
moeda. Você tem, por exemplo, dois modos de ver Botticelli: ou você vê a
primavera, a Vênus, tudo isso é muito lindo; ou vai um pouco mais longe e
lembra que o nascimento da deusa é uma história aterrorizante. O sexo de um
deus que foi cortado e cai no mar, com sangue e esperma."
Georges Didi-Huberman citado por Virgínia Leal
in Facebook.
Se for psicanalisar, de fato, a
obra de Sandro, a partir de seu desejo, verificaremos que a modelo para a sua
Vênus é a mulher que ele amou até a morte, tendo escolhido, inclusive, ser
sepultado a seus pés: a bela Simonetta Vespucci. Simonetta já estava morta
havia nove anos, quando ele pintou o quadro. Ela era a sua Vênus, para ele, a
representação de todo o Amor. Se a tinta do pintor fecunda a tela como um
amálgama de seu sangue e de seu esperma, como uma mistura de paixão e promessa
de vida derramados do falo de seu pincel, pincel-falo cortado de seu corpo e
solto no mar, mar que é o sexo feminino na criação, com essa tinta Botticelli
pintou não o nascimento, mas o renascimento de sua Vênus. Com a obra de arte,
ele devolveu à Simonetta, o ar da existência. Ar soprado por Zéfiro, ninguém
menos do que ele mesmo, esculpindo-lhe a vida. Integrados, portanto,
todos os seus elementos: deuses, sangue e esperma, amor e vida, concha, mar e
falo, a tela é de uma beleza inefável. Sob qualquer perspectiva.
Andrea Campos