quarta-feira, 29 de julho de 2015

                                            "A DIVINA COMÉDIA" - Inferno
                                                                             Dante Alighieri



CANTO VII (trecho)


Disse o bom Mestre: "Filho, aqui tu vês
as almas dos vencidos pela ira,
e vou dizer-te ainda, se me crês,

que embaixo d'água há gente que suspira,
fazendo-a borbulhar, e o não duvida,
mas to diz, teu olhar se em torno mira.

Do fundo, assim: "Tristes fomos em vida,
no ar ameno que do Sol se alegra,
dentro portando névoa aborrecida:

contrista-nos agora a lama negra".
é o que em suas goelas gorgolam, e brota
do lodo que as palavras desintegra".

Grã volta demos pra alcançar a rota
pela orla seca, a olhar no tremedal
a gente que de lama se abarrota.

E viemos de uma torre ao pé, afinal.












*Detalhes da "Porta do Inferno" de Auguste Rodin.



VAI-SE POR MIM À CIDADE DOLENTE,
VAI-SE POR MIM À SEMPITERNA DOR,
VAI-SE POR MIM ENTRE A PERDIDA GENTE.

MOVEU JUSTIÇA O MEU ALTO FEITOR,
FEZ-ME A DIVINA POTESTADE, MAIS
O SUPREMO SABER E O PRIMO AMOR.

ANTES DE MIM NÃO FOI CRIADO MAIS
NADA SENÃO ETERNO, E ETERNA EU DURO.
DEIXAI TODA ESPERANÇA, Ó VÓS QUE ENTRAIS.




Inscrição sobre o Portal do Inferno in Dante Alighieri, "A Divina Comédia", Canto III do Inferno.




"A Porta do Inferno" de Rodin

segunda-feira, 27 de julho de 2015

                                                                     Namorar
                                                                                  Andrea Campos


Namorar não é olhar, é entrever,
mais do que tocar, enrubescer,
tropeçar dengoso em silêncios:
"não... agora diz você..."
É inventar a melhor palavra
e não a esquecer.

Namorar é o sentido oculto
na escuridão,
é quando o real brinca que é
ilusão,
é o vestíbulo do tempo
no coração.

É ir pra chuva sem se molhar,
é ajoelhar e não rezar,
namorar é uma única oração:
o verbo amar.

Amar, amar, amar...

Namorar é amar eternamente
em um segundo,
é ter nas palmas das mãos,
o mais profundo,

e ser naquele beijo,
maior que o mundo.



Ismael Nery




Milton da Costa




Cícero Dias




Lasar Segall





Di Cavalcanti

                                                                      Envelhecer
                                                                                     (Andrea Campos)


Envelhecer é as coisas irem se tornando maiores do que nós.

O tempo vai passando e inicia-se a subjugação:
Na medida em que nós nos vamos  dormindo
as coisas nos se vão acordando.

Coisas que usávamos tantas vezes
desenvoltos
em nossa trilha,
cansadas de serem coisas,
do alto das coisas nos humilha.

Escadas, livros, estantes,
assomam-se intangíveis
não subimos, lemos como antes,
as coisas nos riem, arrogantes.

Olhos nebulosos, peles em pus,
e  a cômoda da infância sob o sol
altiva ainda dança e reluz.

Lasar Segall
Até que vem o instante fatal:
a morte nos colhe e
somos  pó.
As coisas,
céleres,
sobem
ao pedestal.


                                                                 INFÂNCIA
                                                                                 Andrea Campos


Quero a paz emergente dos mangueirais,
sentido de tudo ao som dos colibris,
deitar nas redes de todos os quintais
escutando da cozinha os diz-que-diz.

Ir de volta ao tempo em que fui maduro,
enxergando esse mundo como ele é,
não o inventado, mas o meu que é puro,
sem roupa apertada, sapato no pé.

E o sonho impregnado de infinito,
bonecas luzidas de eternidade,
Trenzinho, bruxa de pano, o apito,

Imagens ressuscitam a saudade.
Chega de dogmas, tanta relutância,
vou dormir no colo da minha infância!
















*Todas as telas são de Cândido Portinari

domingo, 26 de julho de 2015

 Infância
Carlos Drummond de Andrade

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.


No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala – e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.


Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito. 
E dava um suspiro... que fundo!


Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.


















*Todas as telas são de autoria do pintor Milton da Costa.





                                       Fórmulas Filosóficas sobre a Beleza



Platão: "A beleza é o brilho e o esplendor da verdade".

               Aristóteles: "A beleza é a unidade na variedade".

Plotino: "A beleza é a luz que dança sobre a harmonia". "A beleza é o ser em máximo ser".

             Santo Agostinho: "A beleza é o esplendor da harmonia e a unidade é a forma de toda beleza".

São Tomás de Aquino: "Beleza é aquilo que deleita ao ser captado numa intuição".

             Kant: "A beleza é um universal sem conceito". "A beleza é uma finalidade sem fim".

Hegel: "A beleza é a manifestação sensível da Ideia".

                          E deixei por último a fórmula da qual mais gosto:

                                Schelling: "A beleza é o infinito no finito".



Vênus de Milo


Discóbolo



Hércules Farnese



As Três Graças




Vitória da Samotrácia



*Fórmulas recolhidas na leitura do livro "Iniciação à Estética" de Ariano Suassuna.



quinta-feira, 23 de julho de 2015

Como uma pernambucana que gosta de arte e tenta fazer arte, sempre convivi com os artistas contemporâneos de meu estado na medida do possível e na medida de nossas afinidades. Saboreava conversar com João Cabral de Melo Neto, o seu tom intimista, lírico, sevilhante, e visitá-lo em seu apartamento na praia do Flamengo quando ia ao Rio de Janeiro, fazia parte inexcludente de minha programação. Não poucas vezes, estive no mesmo ambiente no qual, também estava, um outro grande escritor, o dramaturgo Ariano Suassuna. Mas como Ariano era mais ligado à arte do risível, do cômico e do burlesco, sentia-me pouco à vontade para soltar-me com ele em digressões, já que esse universo da arte sempre me foi mais desconhecido. Olhavámo-nos sempre por instantes com certa timidez o que não nos impediu de fazermos, lado a lado, a caminhada em homenagem ao cantor e compositor Chico Science quando este faleceu prematuramente de um terrível acidente. Íamos juntos pela avenida na beira da praia, como sempre, em silêncio. Ariano está morto. Esse mês faz um ano que ele cumpriu a sua pena, essa que ele, tão belamente, taxou como a pena a ser cumprida por todos nós: a de eternos condenados à morte. Mas foi nesse mês da passagem de sua morte que ele esteve, mais que nunca, feericamente, vivo pra mim. Ao ler seu livro de filosofia "Iniciação à Estética", senti-me aconchegadamente próxima a ele. Pude ouvir, claramente, a sua voz, acompanhar seus meneios, surpreender-me com a sua erudição, gozar de sua elegância e ponderação, além de deleitar-me com a sua escrita. Tive, finalmente, com ele, o encontro que nunca havíamos tido: o encanto com o inimaginado.  Penso, agora, em Ariano passando por mim, como passou tantas vezes, e tenho o súbito desejo de voltar àqueles instantes e entabularmos uma conversa. Impossível. Voltar, mais do que um verbo intransitivo, é um verbo de tempos impossíveis. Nunca se volta a nada em tempo algum. Voltar a uma pessoa, a um lugar, a uma contingência. Voltar a um sentimento. Isto porque àquilo a que se pretende voltar, simplesmente, já não existe. No mínimo, transforma-se, transfigura-se e o nosso movimento de retorno a ela, nada mais é do que passos rumo a um novo desconhecido, a um novo surpreendente. Mas, a impossibilidade de voltar a Ariano não habita apenas a casa das ilações, é uma impossibilidade mecânica, do mundo dos fenômenos físicos e aparentes. A impossibilidade que nos finca com o aguilhão do absoluto e que não transige com o real da morte. Mas, não estamos aqui cingidos ao mundo do real, falamos aqui a partir de nossas humanidades, de nossas sensibilidades, de nossos imaginários, do transcendente que nos mantêm, para sempre, vivos. E é nessa minha precária humanidade, que nas primeiras luzes desse meu amanhecer, eu me encontro com a humanidade de Ariano: imensa. E como uma peregrina que, com o seu cajado, tateia o fugidio das horas, sigo em frente com ele, ensaiando a todo o tempo, abrir as cortinas da vida e subir ao palco do dia. 
Obrigada, Mestre.

                                       Ariano Suassuna, o Artista Plástico


Encantada com a leitura do livro "Iniciação à Estética" do Ariano Suassuna professor de filosofia da Universidade Federal de Pernambuco, senti o empuxo de revisitar uma outra de suas facetas menos conhecidas, além da de grande professor de Estética: a de pintor. Ariano celebrizou-se como escritor e dramaturgo, sendo as suas obras mais divulgadas, "A Pedra do Reino" e "O Auto da Compadecida". Nos dois trabalhos, o traço mítico, heráldico e medieval estão francamente presentes. Em seu livro sobre Estética, infere-se, facilmente, as suas predileções pela arte plástica medieval, sobre, inclusive, a arte renascentista. Revisitando os seus quadros, pude perceber, fortemente essa influência, tanto na técnica quanto na forma. O primeiro trabalho plástico de Ariano apareceu como ilustração de seu livro "A Pedra do Reino" que se encerra com a pintura do "Cristo Sertanejo" sobre papel. A partir de então, o escritor, costumeiramente, ilustraria as suas obras como um movimento contíguo à palavra em sua criação artística. O seu corolário de expressão foram os "Dez Sonetos com Mote Alheio" com pranchas inspiradas nas iluminuras medievais. Referenciando-se sempre nos mitos clássicos, em Shakespeare e em Cervantes, Ariano não cessa de nos iluminar com a sua vida e a sua arte que fizeram nele a sua própria mitologia.















segunda-feira, 20 de julho de 2015

                                                  "As Meias as Fazem Inteiras"



O que estaria por detrás da fascinação que o pintor austríaco Egon Schiele (1890 - 1918) tinha por pintar mulheres vestindo meias?

Partiria da hipótese de que uma mulher de meias, remonta à mulher primordial, à mulher não castrada. E por que pretas? Arriscaria dizer que, por serem mulheres brancas, as cores escuras denunciam que as meias não se confundem com as suas peles, elas seriam um elemento fálico à parte. Que desejo ainda deseja essa mulher "inteira"?



































quinta-feira, 16 de julho de 2015

Hoje comemora-se o dia de Nossa Senhora do Carmo em Recife. Por ser nossa padroeira, hoje é dia feriado. O tema das festividades desse ano são os 500 anos de nascimento de Santa Tereza D'Ávila, a santa carmelita, cuja igreja que leva o seu nome em Recife situa-se ao lado da Basílica do Carmo. Tereza D'Ávila é a santa que mais e melhor representa o feminino, seus anseios e as suas paixões. A sua sensualidade está presente em sua atividade intelectual, mormente em seus poemas. Fico feliz de que a sua igreja em Recife seja aquela que possui, no mundo,  a maior representação artística em pintura sobre a sua vida. Claro que não posso deixar de lembrar de Bernini em uma de suas obras máximas "O Êxtase de Santa Tereza", que não está em Recife, por suposto, mas em Roma...rs




Forro da Igreja de Santa Tereza D'Ávila em Recife com pinturas de João de Deus Sepúlveda (séc. XVIII), sobre a sua vida.

Interior da Igreja Santa Tereza D'Ávila em Recife (Barroco Tardio)


Santa Tereza - Escultura de Bernini

"O Êxtase de Santa Tereza" - Escultura de Bernini

Detalhe da escultura de Santa Tereza de Bernini