segunda-feira, 25 de julho de 2022

 DIA 25 DE JULHO: DIA INTERNACIONAL DA MULHER NEGRA LATINO-AMERICANA E CARIBENHA. DIA NACIONAL DA MULHER NEGRA. DIA DE TEREZA DE BENGUELA!


O próprio Joaquim Nabuco afirmou em seu livro "Minha Formação" de que houve uma miríade de movimentos abolicionistas no Brasil. O que ele integrou, o movimento parlamentar abolicionista, foi apenas um deles que por ser institucionalizado e capitaneado por uma elite branca e masculina estava em melhores condições de ser bem sucedido.


Falemos, então, de movimentos abolicionistas e de resistência dos quilombos, mas não apenas daqueles liderados por homens negros, mas de um mais específico, aquele liderado por TEREZA DE BENGUELA. 


Tereza, escrava negra fugida, nascida no século XVIII, vivia no maior quilombo do Mato Grosso em fronteira com a Bolívia, o Quilombo do Quariterêre. Este quilombo tinha por chefe, José do Piolho, a quem Tereza viria a desposar.


Uma vez tendo sido Piolho assassinado por soldados do Estado, Tereza assumiu a chefia do Quilombo. Instituiu o modelo parlamentarista de governo, sendo ela a Presidente do Congresso negral que se reunia uma vez por semana. Mas não era apenas de negros o quilombo gerido por Tereza, mas também, de índios.


Com economia autônoma e autossuficiente, no quilombo plantava-se, colhia-se, tecia-se e fazia-se a forja, processo através do qual transforma-se o ferro em utensílios. O quilombo comercializava com as vilas adjacentes mantendo boas relações com as mesmas. E assim o foi por mais de vinte anos, até ser invadido e dizimado por bandeirantes por volta de 1770, a mando do governo do Mato Grosso. Tereza teria sido, então, assassinada e, após ser decapitada, exposta a sua cabeça no centro do Quilombo. Há uma outra versão para a sua morte, afirmando que a mesma teria se suicidado após ter sido capturada pelos bandeirantes. 


Não importa. Basta irmos ao Mato Grosso para presenciarmos a bela cena: A Rainha negra Tereza, em seus suntuosos barcos a singrar as águas do Pantanal - e do nosso sangue.


quarta-feira, 13 de julho de 2022

 SI TU ME DIS: "JE T'AIME"

Andrea Campos


Si tu me dis: "Je t'aime",

Mes mains s'ouvrent et son pleines 

de sens qui débordent sans freins,


Si tu me dis: "Je t'aime",

Les oiseaux peignent leurs ailes

avec les couleurs de la lumière,


Si tu me dis: "Je t'aime",

le jour est remplie d'odeur

qui, de l'amour, exhale le fureur,


Si tu me dis: "Je t'aime",

ma bouche est le bout du souffle

à cause du désir qui s'étouffe.


Le monde tourne sa tête vers une étoile,

La lune touche la mer au fond de toile,


Si tu me dis: "Je t'aime",

un éclat brûle, 

coule en moi!


Et la vie  s'épanouit 

une autre fois...


*

Photo: "Le Baiser de l'Hôtel de Ville" - Paris, 1950. (Robert Doisneau)




terça-feira, 12 de julho de 2022

 Yo no lo sé lo que me queda de los colores 

de las Ramblas de las Flores.


Hace tiempo, mi corazón era rojo

como rojo corría el sol por los días,

tú boca salida del mar salgaba las tardes,

y en tu mirada dormía la nostalgia del vivir.


Quiero que sepas, sí, que sepas,

que la distáncia no silenció tú voz en mi alma,

y que tú vida palpita y quema entre mis senos.


Mi deseo en tú deseo como un sello vacío

trae la memória del amor en éste piso sombrío.


Muéstrate ahora a mí como una ofrenda

y yo seré tuya casi cómo por encanto.


Dónde me procures, 

estaré por todas las sendas,

y mi sonrísa trasmutará tú llanto...


Bésame, bésame 

y partidos se quedarán 

el tiempo y los dolores...


...


Yo no lo sé lo que me queda de los colores 

de las Ramblas de las Flores...


Andrea Campos


*




Foto: Las Ramblas de las Flores en Barcelona.

 Na Morte de Gabriel Garcia Marquez





Devasto-me em razão de quem tão vasto fez o meu caminho. O caminho pelo tempo, por seus passos indeléveis, passos passados, passantes, marcados pelo que marcaste e pelo tudo que marques. Estás a perder a memória e é na memória que o tempo se encerra, sem memória teu tempo encerra. Recolhes o teu tempo a um adeus proustiano: não há mais tempo perdido, todo o tempo é teu, sem antes e nem depois, só o agora. Mas o agora não existe. O agora é também memória, é também resgate imagético das imagens que fluem e refluem e só te dão adeus. Mergulhas na solidão, mas essa solidão é toda e somente minha e tem muito mais de cem anos. Em quais tempos estará o teu amor sem cólera? Em qual tempo teu amor e ódio por Llosa? Sinto muito quando passas a cada vez mais a sentir nada. E se o registro do tempo te abandona, é porque ele passa a ser menor do que tu, é porque como um Cronos autofágico tu o devoras. E com ele, eu também sou devorada, por tuas palavras, por tua fantasia, por teu sonho, por teus desejos, porque tu és o tempo e sou eu, devastada por entre lágrimas, somente eu, sozinha, que sem tuas letras, provarei da solidão e ficarei, sem teus livros, no esquecimento.



sábado, 9 de julho de 2022

 MÁRIO SETTE E MANUEL BANDEIRA: 


COMPANHEIROS DE BERÇO E DE  EVOCAÇÕES MODERNISTAS.


Não apenas o grande amor da vida de Mário Sette, Maria Laura, foi sua companheira de berço, tendo ambos nascido no mesmo dia e hora, como também foi  no mesmo dia 19 de abril de 1886 que nasceu o grande poeta Manuel Bandeira! Enquanto os  choros do primeiro eclodiam em um  sobrado da rua Princesa Isabel, os muxoxos do outro reverberavam no quarto de um outro sobrado na rua da Ventura, atual Joaquim Nabuco. Quanto às primeiras sílabas pronunciadas pelos dois "meninos novos" não lhes posso dizer, mas algo arrisco assegurar-lhes: a obra de Mário Sette e de Manuel Bandeira, não apenas dialogam, mas evocam uma a do outro, sendo a de Sette,na  prosa e a de Bandeira, na poesia.  Nas linhas de "Memórias Íntimas" de Sette, deparamo-nos com a confissão de seu primeiro despertar sexual nos "banheiros de mudar de roupa para os banhos salgados", Ao ler essa passagem não há como não evocarmos o poema "Alumbramento" de Bandeira,  com a diferença de que, no poema de Bandeira, não o "despertar sexual", mas "o primeiro alumbramento" ocorre em um desses banheiros de mudar de roupa não para o banho salgado, mas para o banho doce no rio Capibaribe. Em trechos do romance de Mário Sette, Senhora de Engenho,  é possível, também, evocar a poesia de Bandeira, como ocorre durante a narrativa de uma festa de São João. Nesse instante, quando os folguedos e balões rebrilham, o poema de Bandeira "Profundamente" nos assoma aos olhos. No entanto, muitos poderão afirmar: tratam-se de temas e costumes comuns àqueles tempos, sendo, portanto, muito provável que tenham sido vivenciados, do mesmo modo, não apenas por Bandeira e Sette, mas pela grande maioria dos meninos daquela época. No que concordo de pleno. A grande convergência, aqui, não é a convergência das experiências comuns, mas na forma como elas são ditas, no modo como são contadas, e tanto Sette quanto Bandeira, ao narrá-las, inauguram a palavra modernista. Bandeira, bem primeiro do que Sette, sejamos justos. E é no método genealógico utilizado para contar a história da cidade natal de ambos, Recife, que Sette e Bandeira têm enfim, a convergência plena. 


Em 1923, Gilberto Freyre encomenda a Bandeira que escreva um poema em homenagem ao Recife, brotando desse pedido o poema "Evocação do Recife". Já no início do poema, Bandeira anuncia que não contará a história da cidade no modelo tradicional: 


"Recife 

Não a Veneza americana

Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais

Não o Recife dos Mascates

Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois 

- Recife das revoluções libertárias

Mas o Recife sem história nem literatura

Recife sem mais nada"               


 Ou seja, contará a história do Recife "sem mais nada", o Recife de suas memórias, de seus afetos, de seus costumes, de seu quotidiano. Em março de 1941, o então Presidente Getúlio Vargas ordenou que Mário Sette, já conhecido por suas crônicas sobre a cidade do Recife e, à época, funcionário dos Correios, fosse servir, por um ano, na Fiscalização do Porto do Recife, a fim de colher material para a escrita de uma obra sobre o Porto e a cidade. Essa obra seria a futura obra-prima "Arruar". "Arruar", assim como "Evocação do Recife" de Bandeira, inova ao encetar um método original de contar a história da cidade, não por uma linha com início, meio e fim, a descrever os seus eventos icônicos, mas pela alusão a seus costumes, ao seu quotidiano, às suas memórias afetivas. Não há como não estabelecermos esse diálogo evocativo entre a prosa "Arruar" de Mário Sette e o poema "Evocação do Recife" de Manuel Bandeira. E foi movida pela curiosidade em torno dessa convergência, que pus-me a pesquisar. E vejam o que achei! A referência a uma carta de Manuel Bandeira a Mário Sette na qual o mesmo fala desse encontro entre ambas as suas escritas! Escreve Bandeira a Sette:


"Enxergo nas suas crônicas de Arruar "o Recife sem mais nada" - simples e de memória saborosa." Ou seja, o mesmo Recife de sua "Evocação", uma vez que o verso "o Recife sem mais nada" é uma síntese desse poema seu...


Mário Sette e Manuel Bandeira, companheiros de berço, companheiros nas evocações modernistas, irmãos no amor pelo Recife. Onde estarão agora? Estão dentro de cada um de nós que os lê, vivos, profundamente...






 CAROLINA AUGUSTA: A MULHER VIRTUOSA DE MACHADO DE ASSIS.


Em "Escritores Criativos e Devaneios", Freud empreende o que para ele sempre seria um dos maiores mistérios: o processo de criação do escritor de ficção. Fantasía adulta que substitui o brincar da infância, a escrita seria inscrever a escrita de um desejo. Nessa empresa, certamente, o nosso Machado de Assis despertaria uma pletora analítica em nosso Freud. Capitus, Virgílias, as mulheres da literatura machadiana se não traíram seus maridos ou amantes, são, no mais das vezes, suspeitas ou estão em vias pra o fato. Luxuriosas, lúbricas, voluntariosas, foram em muito distantes do caráter da real mulher de Machado, a cultíssima e fiel companheira de toda a sua vida: a portuguesa Carolina Augusta Novais. Recém-chegada da cidade do Porto para cuidar de um irmão enfermo, a simpática e bonita Carolina "uma das poucas mulheres que ainda pensam" nas palavras de Machado dirigidas a ela, despertou paixões e admiração. E um dos fulminados pela flecha do Cupido foi o futuro Bruxo. Carolina casou-se com esse escritor ainda de poucas e tímidas obras, a despeito da oposição de seus irmãos, cujo argumento para a interdição era a de que Machado era um mulato. E se Machado profetizou que com ela ganhariam o mundo, esse mundo através do amor de Carolina, para ele nasceu e se fez redondo.


Cinco anos mais velha, Carolina era uma intelectual de grande estirpe e apresentou a Machado o melhor da literatura portuguesa e inglesa. Retificava, opinava e organizava os seus textos, tendo tido ela, segundo críticos, uma influência bastante considerável na passagem de sua escrita romântica para a escrita realista. E quão teria sido a sua influência na passagem da heroína convencional para a mulher de desejos? De quem eram as fantasias realizadas nas personagens femininas de Machado? Só de Machado? Ou em um casal há um inconsciente que é de ambos, ainda mais naqueles nos quais o companheirismo e a cumplicidade pululam? Não importa. Machado foi imenso e Carolina foi uma parte imensa nessa imensidão.


Curiosamente, quando se fez viúvo e triste, Machado, ao escrever o seu último romance "Memorial de Aires", trouxe à estampa não mais os tumultos e intempéries do desejo transgressor. Mas, o casal Aguiar, aquele casal que é transgressivamente feliz e que anda de olhares dados pelo escorrer da vida. A ausência de Carolina, provavelmente, fazia da sua vida com ela o seu maior desejo. E, certamente, a sua presença e posterior ausência foi determinante no perfil de suas personagens femininas a serem criadas.


Sentados de mãos dadas em uma namoradeira, assim era visto o amoroso casal do Cosme Velho e foi em alusão a esse amor transcendido que Machado assim finalizou o seu derradeiro romance: "Olhando um para o outro (...) Consolava-os a saudade de si mesmos". Pois se Machado foi de Assis, também foi Machado de Carolina.