sexta-feira, 15 de abril de 2022


Queridas amigas e queridos amigos, muito bom dia/tarde! Segue o quinto poema dos vinte que estou escrevendo para um livro de poemas em francês sobre esses tempos que escorrem. Ainda farei revisões e correções. Um domingo tranquilo e aconchegante.


POÉMES DE VIE PENDANT L' ÉPIDEMIE


V.


Mes yeux

s'allument,

mais

mon regard

est court

pendant que

l'aube

tranche

la nuit

et

nous rend

le jour,


Aube

des rêves

des pulsions

et des désirs,

aube des lèvres

du sourire


Aube sans force

pour nous emmener

au-delà

du

corps,


Corps

enveloppé

en cuir,

en nerfs,

en viscères,


Corps

en réveillant

la façade

de notre misére.


Toute la philosophie

soumise

à l'empire

du corps


Le corps que la

pensée ne supporte plus.


Et au-delà du corps

on ne peut pas y aller.


Sont innutiles les idées.


Démissioné

il faut dans le corps 

rester.


Et quand

s'en va un corps,

et un coeur

fait

moins de bruit

sur le monde,


Le corps ne cesse pas

d'exister d'une 

existence profonde.


Dans la sablier,

la faillite du corps

égoutte

tout la sable


et sans le corps

nous plongeons

dans le silence

imprononçable.


Andrea Campos

POÈMES DE VIE PENDANT L'ÉPIDEMIE


IV.


Une espoir

qui s'afflige

c'est le desespoir

en vertige.


Au delà du soleil

la flamme du peur

s'attache

à la vie

en criant

"L'air!

Encore um peu

Du l'air!

Donnez-moi 

du l'air!"


Sans plonger,

sans nager,

En mouillant 

guère,

Ce sont cent

Ce sont

milles corps

s'énoyant

Par terre.


Et soudain

comme

les expulsés

de la mer

tous nous sommes

les poissons

qui se taient.



POÈMES DE VIE PENDANT L'ÉPIDEMIE



III.


On couche

au bord

du temps,


Sur le lit

notre corps

sont les mémoires

qui nos soignent,


Le vide

des mots

inonde

le plafond


Et a chaque minute 

la tv announce 

qu'être libre 

c'est la vie 

dans le prison,


Pendant que 

le désir

s'envole

et se perd

dans l´horizon.


Andrea Campos




POÈMES DE VIE PENDANT L'ÉPIDEMIE.


II.


Ici, où l'histoire

est finie,

Ici  l'histoire

commence,


amalgame

de douleur

et jouissance,


un paradoxe

qui s'alligne

entre

le plaisir

et la souffrance,


Dans chaque larme,

un sourire

qui danse,


Entre moi

et moi,

toujours

une longue

distance


Et si tu

ecoute

dans la veillesse

les murmurs

de l' énfance,


Ici, où l'histoire

est finie,

Ici l'histoire

commence,


C'est pas

une coincidence.


Andrea Campos

I.


En soufflant ton nom

entre le volets de la fenêtre,

Le vent me rappelle

ce que je suis

ce qu'il faut être,


Tes mains

en glissant

sur mon corps

sont fragments

de mémoire

devant le miroir,


L'avenir est suspendu

et l'aujourd'hui

est un acte

de résistance


Mon âme tremble

entre l'abandon

et l'urgence


Et Il n'y a que

l'amour en silence

pour correspondance.


Andrea Campos



domingo, 10 de abril de 2022

 

Poemas de Patrícia Galvão






Nothing

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.

 Durante a Idade Média, 95% da população européia era analfabeta. A "leitura" da Bíblia era feita através da "leitura" dos desenhos dos vitrais das Catedrais. Com a invenção do livro impresso, por Gutenberg, em meados do séc. XV, previu-se o fim dessa "literatura". O escritor Victor Hugo no livro V de "Notre-Dame de Paris" afirma "le livre va tuer l'édifice": "Ceci tuera cela" (o livro vai matar o edifício), na voz do maravilhoso personagem, o "archidiacre" Claude Frollo. O efeito, no caso, foi contrário. Com o retumbante sucesso do livro de Hugo, a Catedral de Notre-Dame de Paris foi restaurada a partir de 1841. Ou seja, em tempos de questionamentos se a leitura virtual vai matar os livros, é hora do mundo virtual "CUIDAR" dos LIVROS.




quarta-feira, 6 de abril de 2022

A LEITEIRA





Ele vinha carregando uma leiteira, por uma estrada pedregosa com seus pés esburacados. As unhas tinham um preto que era a tinta das suas sombras, de seus sonhos sempre arrevesados. 


Tinha aprendido a ser um real de revés e a sonhar como quem se escoava da morte. Algumas feridas denunciavam joelhos calosos e gotas de sangue estancado eram a prova de que ainda estava vivo.


 Mas ele vinha, vinha, perfurando uma manhã que lhe extraía gota a gota o suor. Chegou ao alpendre da casa, abriu a porta e o chão de barro refrescou a sua alma. Sobre o colchão de palha um corpo de moça. Moça delgada com ossos que raspavam as tiras de lençol. 


A sua púbis se oferecia às nesgas de luz e brilhavam-lhe alguns pentelhos ralos. Ele deixou a leiteira sobre uma mesa de madeira rachada. Aproximou-se... Ela arfava, pausadamente, vez em quando soprava-lhe pedaços de suspiro. Tinha uma pele ajambada, ressequida e o cabelo de um crespo úmido. Ele pôs a mão em seu rosto, ela deu um muxoxo e abriu-lhe os olhos de soslaio. Eram uns olhos cor de malva respingados de um amarelo-sol.


Novamente, ela o espiou por entre as persianas dos cílios e apertou-lhe a mão. Naquele instante, ele todo se refez, sabia que ela o amava e ele era um homem outro, o coração bombava-lhe o tempo infinito cicatrizando-lhe as chagas. 


Ela, novamente adormeceu, mas o corpo dele só ali amanhecia. Novamente se fez silêncio. Mas nele cabiam  todas as palavras, as palavras dele, as palavras dela que se traduziam na vida em expansão.


Andrea Campos

segunda-feira, 4 de abril de 2022

 Duendes e Gnomos



Sou menestrel da noite,

Duendes e gnomos 

Me cortejam 

E se acendem 

Quando penetro a tua memória. 


Há um vestido transparente 

De estrelas que me acaricia a pele, 

Mas é o teu delírio 

Que me espeta e me faz luzir 

Com as pontas eriçadas. 


Como em magia deslizarás 

para o mais profundo de ti em mim. 


Deixa que a tua carne 

Despenque em meu abismo 

Para que eu sorva o teu segredo

Com meu manto sagrado em luz.


Andrea Campos

domingo, 3 de abril de 2022

 "ME LEIA ENQUANTO ESTOU QUENTE" 

(Lígia Fagundes Telles)


Clarice Lispector: Qual é a raiz de um texto seu?


Lígia Fagundes Telles: O  artista é um visionário. Um vidente. Tem passe livre no tempo que ele percorre de alto a baixo em seu trapézio voador que avança e recua no espaço: tanta luta, tanto empenho que não exclui a disciplina. A paciência. A vontade do escritor de se comunicar com o seu próximo, de seduzir esse público que olha e julga. Vontade de ser amado. De permanecer. Nesse jogo ele acaba por arriscar tudo. Vale o risco? Vale se a vocação for cumprida com amor, é preciso se apaixonar pelo ofício, ser feliz nesse ofício. Se em outros aspectos as coisas falham (tantas falham) que ao menos fique a alegria de criar.




 AS PIETÀS DE MICHELÂNGELO, OU MELHOR DIZENDO, "AS MÃES DE MICHELÂNGELO".

(Não ter mãe, também é uma forma de tê-la)


Certa feita, um crítico de arte, muito versado em seu ofício, aduziu que Michelângelo pouco sabia representar o feminino maternal em sua arte, uma vez que não tivera mãe. Ora, não ter mãe, também é uma forma de tê-la. A ausência tem carne e tem cheiro, e no desejo do sujeito será corporificada. E que não se diga que Michelângelo não teve carnal presença de mãe. Teve-a, ainda que por tempo pouco.


E o nosso escultor "divino", tão cantado e decantado por suas belas e contorcidas e viris e vigorosas representações masculinas, conhecia do lugar central que o feminino ocupava em sua arte.

Melhor dizendo, concebia-o como pressuposto de todos os demais. 


Não foram poucas as vezes que, reincidentemente, no decorrer de  sua vida, Michelângelo disse e redisse que a razão de ter se tornado um escultor  e de sentir profunda paixão pelo mármore, devia-se ao fato de que fora amamentado por uma senhora que vinha a ser esposa de um marmoeiro. Nas mamadas, o leite viria misturado e condimentado pelo pó do mármore, semente do seu amor ad eternum por essa pedra. 


Pois bem, quatro séculos antes que sobre o mundo houvesse Freud, havia Michelângelo e o determinismo que esse prestava ao seio materno para o que lhe constituiu enquanto ser na vida.


Mas, voltemos ao escultor Michelângelo e às aludidas críticas de que esse havia mal representado o materno em sua arte pela sua falta de mãe e, por consequência, por pouco ter sido filho. Já rebati essa crítica com o argumento de que mesmo os que não têm mãe, tem-na em sua forma ausente. 


E vou além, há uma presença incontornável e irrecorrível da maternidadce na constituição do sujeito: O pó do qual viemos e para o qual voltamos, nada mais é do que o pó da terrra, da Terra Mãe. Essa Terra-Mãe para os humanos tem o desenho de um útero e uma vez dele brotados serão regados e vingados em suas singularidades por seus seios-fontes. A morte, então, seria um retorno ao ventre dessa terra, à sua carne esférica. A morte seria a volta à unidade com a mãe. Na morte, o filho funde-se com a sua mãe, é dado de volta à terra, e o ser singularizado  é inaugurado na sua universalidade existencial. 


E esse ciclo existencial é belamente representado por Michelângelo em suas Pietàs: pela Pietà Vaticano, pela Pietà Bandini e pela Pietà Rondanini, às quais eu diria serem suas representações maternas em três momentos fulcrais de sua vida. E o que é ainda melhor: Representações esculpidas pelo pó da Terra.


Tendo sido amamentado por uma ama de leite, mulher de um marmoeiro, Michelângelo, de fato, teve pouco convívio com a  mãe que lhe gerara, mãe que padecia de fraquezas e enfermidades. Ao retornar à casa familiar aos três anos de idade, conviveria com a sua mãe por tão somente mais três anos, quando ela então faleceria contando com menos de trinta anos, uma mulher bem jovem, portanto. 


A imagem que uma criança de três a seis anos de idade tem de sua mãe, não importa a sua estatura, é o de uma mulher imensa e poderosa, no colo da qual a criança encontra o máximo abrigo, amparo e proteção. Para a criança em sua primeira infância, a mãe é um colosso, um gigante em todos os sentidos, físicos e afetivos e no alto de sua potência, hasteia-se a sua face jovem, de máxima ternura e amor. Foi durante a sua primeira infância que a mãe de Michelângelo partiu sem volta. 


E não seria essa mãe da primeira infância, imensa, poderosa e jovial, a recolher o seu filho vulnerável e diminuto entre as suas vestes que estaria representada na Pietà Vaticano? Ás críticas que desde então recaíram sobre a jovialidade das feições da Pietà- Nossa Senhora, Michelângelo respondera que a razão seria a de que uma santa não envelheceria e a de que ali estaria representada a filha do seu Filho. Ao argumento de Michelângelo, eu gostaria de somar algo novo: Não poderíamos dizer que a mãe-Pietà é ali representada como uma mulher jovem, principalmente, por jovem ter sido a mãe que Michelângelo conhecera? E sim, essa mãe-Pietà, de fato,  era filha de seu filho, era uma mãe esculpida por seu filho-pai Michelãngelo. E sobre o seu colo, o escultor-menino naufragava morto. Morto e desacudido o filho por lhe ter morrido a mãe.


A forma piramidal na qual todo o conjunto escultórico, mãe e filho, foram esculpidos também tem as suas razões. Com a morte de sua mãe,  morto ele também estará em sua condição de filho. E não é a pirâmide o símbolo dos grandes túmulos? A Pietà-Vaticano foi esculpida quando o jovem Michelângelo tinha 23 anos de idade. Quando ele ainda se sentiria pequeno e frágil diante da vida, e a sua mãe, que ainda que morta o amparava, de um tamanho maior que o mundo.


Passemos agora para a segunda grande Pietà esculpida por Michelângelo, a Pietá Bandini e a compreendamos também como uma representação materna feita pelo escultor-filho.


Quando de sua execução, Michelângelo passara dos seus setenta anos de idade e acreditava estar próximo à sua morte. Era já um escultor renomado, festejado em toda a Europa. A nova Pietà teria por destinação a sua própria tumba. que ficaria na Basílica de Santa Maria Maior em Roma. Trata-se de um conjunto com quatro personagens: Nossa Senhora, o Cristo morto, Maria Madalena e pairando sobre os três, observando tudo, Nicodemos.


Nessa Pietà, diversamente da Pietà-Vaticano, mãe e filho estão concebidos nas mesmas proporções e na mesma altura. O filho Michelângelo parece ter atingido a mesma envergadura de sua representação materna e mais: Está fundindo-se com ela. Se a escultura estava sendo concebida para adornar a sua própria sepultura, não estaria nesse gesto uma metáfora perfeita da morte enquanto retorno à mãe? Enquanto volta à terra? Enquanto fusão e dissolução no todo universal representado pelo corpo materno? Pois é assim e desse modo que mãe e filho estão representados na Pietà Bandini. A mãe, não mais é uma gigante de feições plácidas e joviais, nem o filho uma criança desprotegida como na Pietà Vaticano. Ambos são adultos e maduros, tatuados pelas angústias e glórias da existência. Estão em um mesmo patamar participando dessa derradeira fusão, engravidando-se um do outro em um mesmo pó, em uma mesma pedra, em uma mesma terra. Não sem motivo, o conjunto também foi esculpido em forma piramidal, recorrendo, novamente, às formas dos túmulos egípcios.


Curiosamente, na Pietà Bandini, Michelângelo esculpiu a sua face no semblante de Nicodemos. Como se assim ele pudesse assistir à sua propria morte e à sua "refusão" com a sua mãe... Conta-se que antes de dar essa escultura por concluída, Michelãngelo teria  tentado destruí-la. Um arroubo de recusa à morte, de recusa ao retorno à Mãe-Terra? 


Terminada a escultura que por fim nem foi postada por sobre a sua sepultura, muito menos repousa  em Roma, estando hoje no Museu da Catedral de Santa Maria del Fiori em Florença, Michelângelo que já se tinha por um número dentre o número de mortos, ainda viveria por mais de dez anos... E por mais outras  esculturas...


Chegamos, então, à última Pietá esculpida por Michelângelo, a Pietà Rondanini. Iniciada ainda ao tempo da Pietà Bandini, a execução dessa escultura o acompanhou até o último de seus dias e de suas horas, tendo ficado para alguns críticos como "inacabada". Digamos que não se trata de uma escultura inacabada, mas uma escultura de execução continuada e permanente. 


Estava, então, o nosso Michelângelo entre os 80 e os 90 anos de idade quando a esculpia. Se o artista acreditara que a Pietà anterior, a Pietà Bandini, na qual o filho se funde com a sua mãe, decretando a morte do próprio Michelângelo, seria a sua derradeira escultura a adornar a sua sepultura, agora, o escultor já viveria em um momento post-mortem: a sua morte já havia ficado para trás. O instante de sua morte como um momento passado. 


E foi como quem já sobrevivera à propria morte, como quem já era morto e enveredava-se em um tempo existencial outro que Michelângelo esculpiu a Pietà Rondanini. 


Na linha de interpretação que tecemos aqui, uma nova representação do Michelângelo-filho com a sua Pietà-mãe.


Uma vez, já tendo o escultor vencido o instante de sua própria morte, de seu retorno à terra-Mãe, Michelângelo nessa Pietà ainda que em estado de fusão com a sua mãe - O Cristo morto está misturado ao corpo da Nossa Senhora - não mais está em um patamar terreno, inferior sobre o qual recaem os altos olhos de Nicodemo. Nessa escultura, mãe e filho alteiam-se, como se houvessem vencido a morte. Não mais a forma piramidal dos grandes túmulos. Apontam para o mais alto, ainda que amalgamados. E mais! Não estão em um mesmo nível. Agora, é o filho quem suspende e sustenta a sua mãe, que a traz em seus ombros, que a carrega. 


Se na primeira Pietà, o Cristo-filho-Michelângelo estava inerme, vencido nos braços de uma poderoa mãe-Nossa Senhora, se na segunda Pietà, prevendo a sua morte, o filho-Cristo-Michelângelo com a sua mãe-Nossa Senhora fundia-se, na última Pietà, a mãe, finalmente, é, em tudo e por tudo, a filha de seu Filho. 


Na sua derradeira Pietà, na Pietà Rondanini, Michelângelo no Cristo representado, não mais está morto, mas quites com a sua própria existência. Está de pé, com  forças para suportá-la e sozinho carregá-la. Conduzir e ser apoio à sua existência-mãe.


Atravessada a morte, descido o Cristo da Cruz de sua existência, a maternidade é superada. De volta à  unidade universal, o Cristo e o filho voltam a ser o Pai. O Pai de sua mãe. E a mãe? A Mãe é a carne e o Mistério  que fazem nascer  o pai e o filho e tudo o mais que existe e se espalha por todo o Céu e brota do profundo de si mesma, que é  a Terra.