domingo, 12 de junho de 2022

 LIVRO V DA OBRA "A REPÚBLICA" DE PLATÃO: UM PROTÓTIPO DE UM TRATADO FEMINISTA?


Ao nos debruçarmos sobre os gregos, principalmente no que diz respeito às escrituras políticas e filosóficas, preparamo-nos de antemão para enfrentarmos posicionamentos e práticas de tratamento político e jurídico extremamente desiguais para homens e mulheres. Afinal, fomos forjados nos versos "mirem-se no exemplo daquelas mulheres (submissas) de Atenas" e, de fato, as gregas não gozavam, na antiguidade, de direitos relativos à cidadania e eram tidas como meros invólucros nos quais eram depositadas as sementes masculinas procriadoras na visão de homens como Aristóteles... Portanto, foi entre surpreendida e deliciada que durante a leitura da obra "A República" de Platão, na qual o mesmo delineia as características de uma cidade ideal, deparei-me em seu Livro V com um verdadeiro protótipo de Tratado Feminista! Platão prega a igualdade entre homens e mulheres em todos os sentidos, inclusive, no do gozo erótico! Fazendo um levantamento bibliográfico, verifiquei que há vários estudos já publicados sobre o nosso Platão Feminista! Ou seja, PLATÃO, por vários motivos, enfatizando esse,  é um dos meus escritores CONTEMPORÂNEOS preferidos...!




 PARA ESSE DIA DOS NAMORADOS:


O MITO DE PENTESILEIA OU 


DE COMO SER DEVORADO POR UMA NAMORADA FEMINISTA.


 Na Ilíada de Homero conta-se a história das amazonas, mulheres que se uniram para formar uma sociedade de libertas, desagrilhoadas do modelo patriarcal. Essas mulheres, todas guerreiras, decepavam um dos seios a fim de melhor lutarem e defenderem-se. Daí a palavra "a-mazona" que significa "sem-seio".


Altivas, ao proclamarem um Estado independente, não mais subjugar-se-iam a quaisquer ordens masculinas. No entanto, havia um momento no qual essa independência era desafiada: quando urgia reproduzirem-se, uma vez que, sem a reprodução, a sociedade das amazonas desapareceria. 


Para tanto, as amazonas invadiam outras tribos a fim de capturarem os seus homens mais valorosos. Elas apenas poderiam tomar por parceiros aqueles a quem tivessem derrotado nas batalhas. Uma vez vencedoras, sequestravam os desejados vencidos  para dentre elas. Levavam a termo as cópulas de emergência  e os devolviam aos seus lares sãos e salvos. 


Foi quando chegou o tempo da rainha das amazonas, Pentesileia, ter de ir em busca de um parceiro reprodutor. Elegeu por caça um homem grego e partiu ao seu encalço. 


Ao alcançar a Hélade, depara-se com a guerra de Tróia e num instante de sideração vê o grande Aquiles, que também a vê, e apaixonam-se. 


Mas, ambos precisam digladiar entre si. Apenas se vencedora, Pentesileia poderá raptá-lo. Aquiles pensa em entregar-se a sua raptora por seu bel prazer, mas a sua honra de soldado o impede. É quando por sobre Pentesileia, Aquiles desfere um golpe mortal. E assim, desesperado, tendo Pentesileia ensanguentada e sem vida em seus braços, encerra-se o mito grego.


Milênios após Homero, em inícios do séc. XIX, o dramaturgo alemão, Heinrich von Kleist, reverte essa história de amor feminista. Em sua peça, durante o duelo a que estão condenados os dois apaixonados, é Pentesileia quem sai vencedora, matando Aquiles. Mas ela não pranteia o amado e sim, em estado de delírio, devora-o, canibalizando-o.


Uma vez saciada e tendo  retomado a consciência, Pentesileia, ao constatar a carne de Aquiles mastigada e deglutida por sua carne, toma de seu punhal e se mata com Aquiles ainda quente dentro de si.


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Feliz Dia dos Namorados a todas e todos!


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Ilustração: Óleo "Amazona Ferida" do pintor alemão Franz von Stuck (1903).




sexta-feira, 10 de junho de 2022

 Cada um cita o autor que quer de acordo com o que quer e com quem é...


Fui uma leitora de Monteiro Lobato na infância. E estou no grupo daqueles que defendem que a sua obra se mantenha escrita tal como foi, a despeito de revelar violências de raça, toda sorte de discriminações e conservadorismos. Isso porque sou a favor de que a história revele os homens e as mulheres, o mais próximo possível, de como, de fato, o são ou o foram. É indispensável a conservação da obra para a construção de sua crítica. 


Inarredavelmente, um grande escritor, sabemos que Monteiro Lobato foi um homem de seu tempo, mas, de forma alguma, um homem além de seu tempo. Mesmo no seu tempo, o escritor era conhecido e reconhecido como uma das vozes mais altas em defesa dos interesses das elites agrárias, tendo sido, ele mesmo, um grande fazendeiro. O criador de Jeca Tatu e de Urupês era um homem que zombava do trabalhador do campo e o menoscabava. O reacionário Lobato era explosivo em suas críticas não apenas em relação ao homem do campo, como também, no campo da estética. Ao tempo da Semana de Arte Moderna, Monteiro Lobato fez uma crítica virulenta e destruidora aos quadros da modernista Anitta Malfatti em um artigo jornalístico denominado "Paranoia e Mistificação". Na corrente mais conservadora da patologização, aconselhou tratamento psiquiátrico aos modernistas. 


Mas Lobato, assim como ainda o é hoje, também era citado por juristas, por grandes juristas como o imenso Rui Barbosa. Em 1919, Rui Barbosa discorreu sobre a Questão social e política no Brasil no Teatro Lírico do Rio de Janeiro durante a sua campanha eleitoral para a Presidência da República. Na sua fala, cita um trecho do livro "Urupês" de Lobato, no qual o mesmo demonstra a sua visão sobre o homem do campo. Rui não louva seu pensamento, mas sim, o rejeita peremptoriamente. Leiamos o trecho citado por Rui:


“De pé, não é gente. A não ser assentado sobre os calcanhares, não desemperra a língua, “nem há de dizer coisa com coisa”.


Após citar o trecho de Lobato, Rui continua:


“Não sei bem, senhores, se, no tracejar deste quadro, teve o autor só em mente debuxar o piraquara do Paraíba e a degenerescência inata da sua raça. Mas a impressão do leitor é que, neste símbolo de preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e hebetamento, o gênio do artista, refletindo alguma coisa do seu meio, nos pincelou, consciente, ou inconscientemente, a síntese da concepção que tem da nossa nacionalidade os homens que a exploram”.


Monteiro Lobato, no dia de ontem foi citado por um outro "jurista", também num contexto que dizia respeito a eleições presidenciais. Eleições no seu maior sentido que é o de eleger o que é melhor para um povo e para um país. Uma citação muito de acordo, pois, há clara convergência nas posições políticas e sociais de ambos. Não vou entrar aqui no incontestável mérito literário do texto que foi citado, a fábula "O Reformador do Mundo", cujo personagem "Américo Pisca-Pisca", insatisfeito com a natureza, e porque não dizer, com a natureza das Américas, reclama por francas reformas. Reformas essas, tidas tanto pelo citador como pelo citado, como "inúteis".  Muito menos, pretendo advogar pela não citação das obras de Lobato. Tomo a mim, tão somente, a pretensão de observar criticamente como se dão essas citações e em que contextos. Em relação ao contexto de ontem, apenas me permitam enaltecer esse belo encontro, mesmo que sendo esse encontro a antítese do que foi o "encontro" entre Lobato e Rui durante a sua campanha eleitoral presidencial, quando o então, "Águia de Haia" lutava por um Brasil republicano que superasse, de uma vez por todas, pensamentos como os de Lobato:  arcaicos e nocivos a uma Nação que se pretendia ser construída com as marcas da justiça social e do humanismo. O encontro de ontem, ora, ora, foi um sublime encontro das vozes da elite republicana desde sempre. Refletem a síntese que têm de nossa nacionalidade, esses homens que a exploram...


Cada um cita quem quer conforme o que quer e quem é...


ps: Apesar de ter sido o candidato mais votado em todas as capitais e grandes centros urbanos, Rui Barbosa foi derrotado no interior do país em razão da forte corrupção eleitoral, da compra de votos e do chamado "voto de cabresto"... E, ao que parece, ele continua sendo derrotado pelos mesmos motivos até hoje...








terça-feira, 7 de junho de 2022

 "SOU UM CATIVO DO RECIFE." (JOAQUIM NABUCO)


Há muitas semelhanças entre o nosso imenso Nabuco e dois outros nomes que enaltecem e honram a cultura e a cidadania pernambucana: Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. Os três, apesar de ostentarem em suas obras  profundos traços de suas pernambucanidades, não fizeram as suas vidas em Pernambuco. 


Bandeira viveu na Mauricéia tão somente em seu primeiro ano de vida tendo ao Recife retornado para uma temporada dos 6 aos 10 anos de idade.

 Depois, apenas visitas e nunca mais.


João Cabral em Pernambuco se fez rapaz, mas após tornar-se diplomata, respirou o resto de seus dias entre cidades europeias e o Rio de Janeiro. Mesmo sendo eleito membro da Academia Pernambucana de Letras, nunca participou de uma reunião na Casa Carneiro Vilela, tendo sequer comparecido à sua posse. 


Tanto Manuel Bandeira como João  Cabral de Melo Neto eram membros da Academia  Brasileira de Letras, estando ambos em repouso eterno no Mausoléu da ABL no cemitério São João Batista na cidade do Rio de Janeiro. 


Quanto ao nosso Nabuco, este viveu em Pernambuco  apenas até os seus 8 anos de idade aos cuidados de sua madrinha Ana Rosa no engenho Massangano. Quando do falecimento de sua madrinha foi juntar-se à sua família no Rio de Janeiro onde seu pai, um baiano, era político do Império. Nabuco retornou ao Recife apenas para cursar o seu derradeiro ano do curso de Direito, ficando em terras maurícias por cerca de dois anos. Depois, por aqui veio por ocasião de sua campanha para deputado. 


Toda a vida de Nabuco foi um intenso périplo entre Rio de Janeiro, São Paulo e anos vivendo na Europa e nos Estados Unidos. Casou-se com uma fluminense e fluminenses são os seus cinco filhos e toda a sua descendência. Morreu em Washington. Mas, aí terminam as suas semelhanças com os seus também notáveis conterrâneos. 


Diversamente de Bandeira e de Cabral, Nabuco, por disposição de última vontade, fez questão de ter as terras pernambucanas como sua última morada. "Ah, mas os demais eram membros da Academia Brasileira de Letras, natural que fossem enterrados no Mausoléu dos Imortais!", você me diz.  Ora, Nabuco não apenas era membro da Academia Brasileira de Letras como foi um dos seus fundadores junto ao seu grande amigo Machado de Assis. Se isso lhe atribui maior sentimento de pernambucanidade em face dos demais, quem somos nós para dizê-lo. Deixemos a palavra ao próprio Nabuco, o abolicionista, cosmopolita e libertário  que se dizia "Um Cativo do Recife".




 Mais uma vez chegara o instante da partida. A minha alma repartida, extenuada, mas sem dor. 


Era um momento branco, como uma tela que pede tinta e luz aos pincéis do destino. Momentos transpassavam-me como efígies e era preciso dizer-lhes adeus. Em um canto do corredor ainda restava esquecido, desmaiado sobre o chão, um lenço, e o usei para enxugar as lágrimas do tempo. 


A sala vazia aliviava-se sem o peso do passado e apenas eu poderia ser uma seta para o futuro. Tudo me vinha descendo como num tobogã. 


Olhei, uma última vez, o silêncio. Levantei com força as alças de minhas malas. 


Com passos titubeante e, logo, firmes, deixei a casa sem olhar pra trás, atravessei a rua e finalmente, pude abrir as portas para entrar dentro de mim.