quarta-feira, 27 de maio de 2020


PRESIDENCIALISMO LATINOAMERICANO: JOAQUIM NABUCO JÁ HAVIA "AVISADO"…






Nesses dias em meio a essa Pandemia, na qual a cada minuto constatamos que a estatura dos homens que exercem o poder em terras Tupiniquins são dignas de Lilliput, ainda bem que tenho tido a companhia de Joaquim Nabuco.
O fato é que temos um problema e um problema que atravessa não apenas o atual mandato presidencial, mas, ao menos, três deles após a redemocratização: O nosso Sistema Presidencialista. O nosso modelo de presidencialismo e a forma como nele se articulam os três poderes e a vontade popular que, por princípio, deve ser sempre soberana.
De forma exaustiva temos acompanhado a permanente digladiação entre os poderes, além de termos sofrido dois traumáticos processos de impeachment. Sim, um processo de impeachment é sempre traumático, uma vez que, necessariamente, envolve a eventual prática de crimes cometidos pelo Chefe do Executivo. A nossa cultura política é alimentada por uma espécie de sebastianismo messiânico no qual se o nosso dirigente maior não dispuser de uma concentração de poderes e de um caráter de inamovibilidade durante o seu mandato, o nosso sentimento de segurança política não se sustenta. Forjados em uma história de raiz fortemente patriarcal, é-nos difícil aceitar um chefe que não seja um pai, um salvador, um "político de estimação" ao qual, nós, seus eleitores vassalos não lhe devamos absoluta concordância, lealdade e fidelidade.
Mas, como eu ia dizendo, Nabuco já havia "avisado" e olha que não gosto muito dessa expressão, acho-a arrogante. Utilizo-me dela por ser a da moda e porque aqui não se trata de uma eventual vaidade nabuquiana de sobrepor-se sobre os demais e menoscabá-los com a sua capacidade profética, mas de uma leitura que nos faz corroborar com os estudos e as avaliações daquele que nos deixou há mais de um século.
Em seu belo livro "Minha Formação", Nabuco, afirmando a influência recebida por seu espírito pelo pensamento de Bagehot, sustenta o seu convencimento de que o modelo presidencialista, no caso, o americano, seria menos eficaz, harmonioso entre os poderes e, inclusive, democrático do que o sistema de gabinete. Nabuco era um liberal e ardoroso defensor da Monarquia, mas insistia em dizer a Dom Pedro II: O Rei reina, mas não governa. Reverberar a validade das palavras de Nabuco para os dias de hoje não significa, de modo algum, defendermos o regime monárquico, mas de interrogarmos o Presidencialismo no atual modelo latinoamericano e que tem nos causado tantos "traumas". Ouçamos a voz de Nabuco:
"O sistema inglês, diz Bagehot, não consiste na absorção do poder executivo pelo legislativo, consiste na fusão deles. O rival desse sistema é o que ele chamou de sistema presidencial. Essas designações são hoje usadas por todos, mas são todas dele. Continua Bagehot "A qualidade distintiva do governo presidencial é a independência mútua do legislativo e do executivo, ao passo que a combinação e a fusão desses poderes serve de princípio ao governo de gabinete". [...] Além do enfraquecimento causado por esse antagonismo do legislativo, o sistema presidencial enfraquece o poder executivo, diminuindo-lhe o seu valor intrínseco. [...] Todas essas vantagens (do sistema de gabinete), porém, são ainda mais preciosas em tempos difíceis do que em tempos calmos. Maior quando se está a braços com grandes questões do que quando se trata de negócios insignificantes. O governo parlamentar, em que existe um gabinete, possui, além disso, um mérito particularmente útil nos tempos tormentosos: o de ter sempre à sua disposição uma reserva de poder pronta para operar, quando circunstâncias extremas o exijam...
Há um presidente escolhido por um lapso de tempo fixo e inamovível. Não há em tudo isso nada de elástico. Aconteça o que acontecer, não se pode precipitar, nem adiar.É um governo encomendado de antemão, e, convenha ou não, ande bem ou mal, preencha ou não as condições desejadas, a lei obriga a conservá-lo.
Em tempo de guerra ou de relações diplomáticas complicadas, é que se vê o defeito desse sistema em toda luz. Esse sistema, diz Bagehot, pode-se resumir em uma palavra: governar pelo desconhecido. Ninguém tem a menor ideia do que pode ser um presidente, nem do que ele pode fazer*. Nós nem mesmo imaginamos que se possa confiar o exercício da soberania a um desconhecido.
Um governo de gabinete pode ser um governo mais direto e imediatamento do povo do que o Presidencialismo americano "Uma vez que o povo americano escolheu o seu Presidente, ele não pode mais nada". A Câmara dos Comuns, essa, porém, faz e desfaz o gabinete, de modo que o governo está sempre nas mãos da representação nacional.
Comparados os dois governos, o norte-americano ficou-me parecendo um relógio que marca as horas da opinião, o inglês, um relógio que marca até os segundos."
(Joaquim NABUCO in "Minha Formação").
Portanto, já passa da hora de discutirmos essa urgente questão de fundo: os tons de nosso modelo Presidencialista de Governo.
Afinal, Joaquim Nabuco avisou....


terça-feira, 5 de maio de 2020

MICHEL ONFRAY, A IMPORTÂNCIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E O PENSAR COMO VACINA.





Fui, há cerca de dez anos, uma leitora apaixonada e indignada do livro da psicanalista Élizabeth Roudinesco "Freud: Por que tanto ódio?". À época eu estava muito enfronhada e encantada com a psicanálise, cursava um doutorado na área e pensava, inclusive, na possibilidade de vir a analisar. O livro de Roudinesco era e é uma resposta ao livro do chamado "contra-filósofo" Michel Onfray, fundador da Universidade Popular de Caen, uma espécie de dissidência do estudo da filosofia tradicional. Michel Onfray em seu livro "O Crepúsculo de um ídolo" ataca Freud impiedosamente, à época foi xingado de, "no mínimo" oportunista e, assim, eu também o enxergava.
Passados quase dez anos e muitos livros e muita vida sob o sol e sob os olhos, tenho, hoje, uma outra compreensão de Onfray. Não, necessariamente, no que diz respeito a Freud e quanto a isso, lembro aos meus colegas do Direito o que foram os ataques de Ihering a Savigny, mas quanto à importância da crítica, do questionamento, da subversão no mundo das ideias. Onfray é polêmico, mas necessário, e muito, ao nosso tempo. Em um momento em que as ciências humanas são, elas mesmas, atacadas e desvalorizadas, Onfray propõe uma outra função para a filosofia, não aquela que se restringe apenas a ler e a compreender as problematizações colocadas por Kant, Schopenhauer, Nietzsche, mas aquela de responder às nossas próprias questões, indagações e angústias cotidianas.
Aquela que responde, por exemplo, nesse exato instante à pergunta "Devo ou não sair de casa?", "É melhor voltarmos ou não ao trabalho fora de casa?", "Como enfrentar ou negar a catástrofe?", "O que sou eu nesse momento em meio a essa pandemia?", "Na falta de leitos e de instrumentos, quem deverá ser escolhido para ser salvo?", "Como nos colocar diante das perdas e do luto?", "O que, como ser humano, já estou efetivamente ganhando e efetivamente perdendo?", "Em que medida o que sou transborda diante do outro ou do silêncio?".
Todas essas e mais milhares de perguntas, ainda que algumas sejam respondidas com o esteio nas chamadas ciências "duras", nada mais são do que um exercício filosófico o qual não temos boas condições de enfrentar sem um arcabouço de ideias que atravessam as ciências humanas e a sabedoria humana e as suas fabulações. Não são as ciências exatas que as resolvem. Não são as ciências exatas que nos ajudarão a responder sobre as nossas escolhas entre as práticas que nos levam ao viver ou ao morrer, sobre o nosso espanto diante do que é precário e provisório (nós mesmos), sobre as nossas inquietações existenciais profundas.
E é como instrumento de auxílio no elaborar dessas respostas que Onfray coloca a Filosofia a serviço de todas e todos e não apenas dos acadêmicos do "establishment".

Last but not least, ele, ao fazer uma hermenêutica do livro do "Gênesis"anda dizendo que Eva foi a primeira dos filósofos...