ESCRITA ERÓTICA FEMININA
Palestra que fiz no evento "Palavras Cruzadas" organizado por Lula Couto na Livraria Jaqueira em Recife no dia 05 de março de 2016.
Fotos: Bernadete Bruto
Poema
de Safo - Grécia (2.600 a.C):
A Uma Mulher Amada.
"Ditosa
que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem
goza o prazer de te escutar,
quem
vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem
os deuses felizes o podem igualar.
Sinto
um fogo sutil correr de veia em veia por minha carne,
ó
suave bem-querida,
e
no transporte doce que a minha alma enleia
eu
sinto asperamente a voz emudecida.
Uma
nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não
ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E
pálida e perdida e febril e sem ar, um frêmito me abala...
eu
quase morro ... eu tremo".
Escrita
Erótica Epistolar: cartas de Heloísa de Argenteuil - França (1101 - 1164))
“Em
meio à quietude da noite, quando meu coração deveria estar tranquilo no sono
que
suspende as maiores preocupações, eu não consigo evitar a ilusão do meu
coração. Eu sonho
que ainda estou contigo, meu querido Abelardo. Eu o vejo,
falo contigo ouço tuas respostas. (…)
Até mesmo em frente ao santo altar eu
carrego comigo a memória do nosso amor, e longe de
me lamentar por ter sido
seduzida pelos prazeres, eu sinto por havê-los perdido.
Eu
me lembro (pois o esquecimento é nada para os amantes) o tempo e o lugar
onde declaraste tua paixão e juraste que me amaria até a morte. Tuas palavras, teus
juramentos, estão gravados profundamente em meu coração. Meu discurso
balbuciante trai
toda a desordem
reinante em minha mente; meus sussurros acabam por revelar-me e o teu
nome está sempre em meus
lábios. (…) Eu mereço mil vezes mais compaixão do que tu, pois
ainda tenho mil
paixões contra as quais lutar. Eu preciso resistir àquele fogo que o amor
instiga
nos corações jovens. Nosso sexo (o feminino) não é nada além de
fraqueza e tenho grande
dificuldade em me defender pois me agrada esse inimigo que me ataca;” (Carta
de Heloísa para
Abelardo)
A
escrita erótica de Santa
Teresa D'Ávila - Espanha (1515 - 1582):
“...eu
vi então que ele tinha uma longa lança de ouro, cuja ponta parecia de fogo e
senti como se
ele a enterrasse várias vezes em meu coração, transpassando-a até
minhas entranhas! Quando a
retirava, parecia também arrancá-las, e me deixava
esbraseada do grande amor de Deus. A dor
era tão grande que me fazia gemer e,
no entanto, a doçura dessa dor excessiva era tal que eu
não podia querer
livrar-me dela (...) A dor não é corporal, mas espiritual, se bem que o corpo
tenha sua parte e mesmo uma larga parte. É uma carícia de amor tão doce que
acontece então
entre a alma e Deus que eu peço a Ele, em sua bondade, que a
faça sentir naquele que pensa que
estou mentindo...”. Teresa D'Ávila.
A escrita erótica de
Emily Dickinson - EUA (1830 - 1886)
Noites Selvagens
Noites
Selvagens - Noites Selvagens!
Estivesse
eu contigo
As
Noites Selvagens seriam
A
nossa luxúria!
-
Fúteis
- os Ventos -
Para
um Coração no porto -
Inúteis
as Bússolas -
Inútil
o Mapa!
-
Remando
no Paraíso -
Ah,
o Mar!
Pudesse
eu atracar - Esta noite -
Em
Ti!
A
escrita erótica de Florbela Espanca - Portugal (1894 - 1930).
Horas
Rubras
Horas
profundas, lentas e caladas
Feitas
de beijos rubros e ardentes,
De
noites de volúpia, noites quentes
Onde
há risos de virgens desmaiadas...
Oiço
olaias em flor às gargalhadas...
Tombam
astros em fogo, astros dementes,
E
do luar os beijos languescentes
São
pedaços de prata p'las
estradas...
Os
meus lábios são brancos como lagos...
Os
meus braços são leves como afagos,
Vestiu-os
o luar de sedas puras...
Sou
chama e neve e branca e mist'riosa...
E
sou, talvez, na noite voluptuosa,
Ó
meu Poeta, o beijo que procuras!
A escrita erótica de
Anaïs
Nin - EUA - (Embora tenha vivido muitos anos na França, Anaïs é
americana e toda a sua obra é escrita em inglês). (1903 - 1977)
“A posição do
xale sobre meus seios
era bastante instável. Quando ergui a cabeça no
ângulo que
ele queria, numa espécie de
gesto convidativo, o
xale escorregou, e
os meus seios ficaram de
fora. Ele não deixou que eu me
movesse.
-Quisera poder pintá-los – disse.
-Ele sorria enquanto trabalhava com o lapis especial de carvão. Inclinou-se
para me medir e
tocou
com ele a ponta
dos meus seios, fazendo uma marquinha preta.
-(…)
-O leve contato do lapis nos meus seios endurecera os bicos. Aquilo me irritou, porque eu não
tinha sentido qualquer prazer. Por que meus seios seriam tão sensíveis. A ponto de ele ter
notado?”
-
-Conto “O Modelo” in Pequenos Pássaros – Histórias Eróticas.
A
escrita erótica de Marguerite Duras - França (1914 - 1996)
“Ela
lhe diz: preferiria que você não me amasse. Ou, mesmo me amando, que se
comportasse
como se comporta com as outras mulheres. Olha para ela espantado e
pergunta: é o que você
quer? Responde que sim. Ele começou a sofrer lá, naquele
quarto, pela primeira vez, não nega
isso. Diz que sabe que ela jamais o amará.
Ela o deixa falar. (…) Ele lhe arranca o vestido, joga-o
longe, arranca a
calcinha branca de algodão e a leva nua para a cama. Então, vira-se para o
outro lado e chora.”
Trecho de
“O Amante”.
A
escrita erótica de Hilda Hilst. Brasil (1930 - 2004)
Araras
Versáteis
Araras
versáteis. Prato de anêmonas.
O
efebo passou entre as meninas trêfegas.
O
rombudo bastão luzia na mornura
das calças e do dia.
Ela
abriu as coxas de esmalte, louça e umedecida laca
E
vergastou a cona com minúsculo açoite.
O
moço ajoelhou-se esfuçando-lhe os
meios
E
uma língua de agulha, de fogo, de molusco
Empapou-se
de mel nos refolhos robustos.
Ela
gritava um êxtase de gosmas e de lírios
Quando
no instante alguém
Numa
manobra ágil de jovem marinheiro
Arrancou
do efebo as luzidias calças
Suspendeu-lhe
o traseiro e aaaaaiiiii...
E
gozaram os três entre os pios dos pássaros
Das
araras versáteis e das meninas trêfegas.
Do
Desejo
I.
Porque
há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes,
o cotidiano era um pensar alturas
Buscando
Aquele Outro decantado
Surdo
à minha humana ladradura.
Visgo
e suor, pois nunca se faziam.
Hoje,
de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me
o corpo. E que descanso me dás
Depois
das lidas. Sonhei penhascos
Quando
havia o jardim aqui ao lado.
Pensei
subidas onde não havia rastros.
Extasiada,
fodo contigo
Ao
invés de ganir diante do Nada.
A
escrita erótica de Maria Teresa Horta. Portugal (1937 - )
As nádegas
Porque
das nádegas
a
curva
sempre
oferece
a
fenda
o
rio
o
fundo do buraco
Para
esconso uso do corpo
nunca
o fraco
poder
do corpo em torno desse vaso
Ambíguo
modo
de
ser usado
e
visto
De
todo o corpo
aquele
menos
dado
preso
que está já
do
próprio vicio
e
mais não é que o limiar de um acto
Gozo
VI
São
de bronze
os
palácios do teu sangue
de
cristal absorto
encimesmado
São
de esperma
os
rubis que tens no corpo
a
crescerem-te no ventre
ao
acaso
São
de vento – são de vidro
são
de vinho
os liquidos silencios
dos teus olhos
as
rutilas esmeraldas que
sózinhas
ferem
de verde aquilo que tu escolhes
São
cintilantes grutas
que
germinam
na
obscura teia dos teus lábios
o
hálito das mãos
a
língua – as veias
São
de cupulas
crisálidas
são
de areia
São
de brandas catedrais
que
desnorteiam
(São
de cupulas
crisálidas
são
de areia)
na
minha vulva
o
gosto dos teus espasmos
A
escrita erótica de Clarice Lispector. - Brasil (1920 - 1977)
“Ele
disse:
-Tire a roupa.
-Ela tirou a camisola. A lua estava enorme
dentro do quarto. Ixtlan
era branco e pequeno.
Deitou-se ao seu lado na cama de ferro. E passou as mãos
pelos seus seios. Rosas negras.
-Ela nunca tinha sentido o que sentiu. Era
bom demais. Tinha medo que acabasse. Era como se
um aleijado jogasse no ar o
seu cajado.
-Começou a suspirar e disse para Ixtlan:
-- Eu te amo, meu amor! Meu grande amor!
-E – é, sim. Aconteceu. Ela não queria que
não acabasse nunca. Como era bom, meu Deus. Tinha
vontade de mais, mais e
mais.”
-
-Trecho do Conto “Miss Algrave”
in A Via Crucis do
Corpo.
-“ A vida lhes era boa. Às vezes Carmem e
Beatriz saíam a fim de comprar camisolas cheias de
sexo. E comprar perfume.
Carmem era mais elegante. Beatriz com suas banhas, escolhia biquíni
e um sutiã
mínimo para os enormes seios que tinha. (...)
-Às vezes as duas se deitavam na cama.
Longo era o dia. E, apesar de não serem homossexuais,
se excitavam uma à outra
e faziam amor”.
-
-Trecho do Conto “O Corpo” in A Via Crucis do
Corpo”.
VÊNIX
Ainda posso ver a luz em devaneio,
Meus meandros de Safo, Florbela Espanca,
Ainda posso sentir o hálito cheio
De um desejo que da pele não se arranca.
E o ainda é ainda, pois sempre será ainda
Até que tudo chegue ao fim
E os meus seios têm o sabor do maracujá
E o meu ventre latente já não cabe em mim,
Mas, se perpetua em quem ainda não veio,
Traz em si o gozo e o delírio como esteio,
Da total existência, a mais profunda glória
De ter nascido para integrar a história.
E, você, entre, deite, apague a luz se quiser,
Seu corpo ilumino com o meu vulto de mulher.
Andrea Campos