O AMOR DE DANTE ALIGHIERI POR BEATRIZ PORTINARI
Se Sandro Botticelli amou para sempre Simonetta Vespúcio, morta precocemente, aos 23 anos de idade e a quem pintou e repintou, Dante Alighieri amou para sempre Beatriz Portinari, morta precocemente aos 24 anos de idade e com quem nunca, jamais, trocou, sequer, uma palavra.
Venturas romanescas, típicas de amores medievais que avançaram sobre o renascimento? Ou, amor, simplesmente, amor, que fez em sua irrefreável pulsão e transbordamento infindo germinar umas das mais belas obras-primas da arte ocidental? Pois se o amor de Botticelli por Simonetta deu à luz obras como "O Nascimento de Vênus" e a soberba "Alegoria da Primavera", o amor de Dante por Beatriz ilumina obras como "A Divina Comédia", originariamente batizada, tão apenas de "A Comédia" e a magnífica "Vita Nuova".
Mas, se já falamos sobre Sandro e Simonetta, conheçamos um pouco mais sobre Dante e Beatriz.
Beatriz teria sido uma bela moça nascida em Portico di Romagna, filha do banqueiro Folco Portinari (seria o nosso Candinho aparentado com tão divina e alta figura?rs). Na obra "Vita Nuova", inferimos que Dante a teria conhecido (sem trocarem palavra) quando ele tinha nove anos de idade e ela, oito, quando o senhor Portinari teria se transferido a Florença e vindo a morar em casa vizinha ao do futuro imenso escritor.
Apesar da proximidade física, as paredes dos refreios e impedimentos morais eram grossíssimas e Dante veio a encontrar Beatriz, apenas mais uma única vez, ao atravessarem o Arno, quando então, teriam se saudado, não sem dizerem, novamente, uma única palavra.
No entanto, se para Dante e Beatriz o que restou foi o perene silêncio e o amor irrealizado, Beatriz na obra de Dante o fez transbordar nas mais belas palavras de amor poético realizado em todos os tempos. É Beatriz quem conduz Dante ao Paraíso na sua Divina Comédia, é ela que para ele abre as portas do Paraíso Celeste e é sob o seu olhar de amor que ele contempla Deus e a eternidade.
Tenhamos, então, o prazer de lermos os trechos da "Divina Comédia" nos quais Dante encontra Beatriz no Paraíso Terrestre e ela o conduz aos céus do Paraíso:
(Dante encontra, finalmente, Beatriz no Paraíso Terrestre)
CANTO XXX (trecho)
assim, em meio a uma nuvem de flores
que, de angélicas mãos, subia festiva
e retombava espargindo candores,
sobre um véu níveo cingida de oliva,
dama me pareceu num verde manto
sobre as vestes da cor de chama viva;
e o espírito meu que, desde tanto
tempo, não fora mais por sua presença
arrebatado, já a tremer de espanto,
sem ter pela visão sua conhecença,
mas, por efeito que dela partiu,
de antigo amor senti a força imensa.
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(Beatriz conduz Dante por entre os céus do Paraíso e lança-lhe olhares de amor)
Beatriz volveu-me o seu divino olhar
de centelhas de amor tão incendido,
que o não pôde o meu ânimo enfrentar;
e os olhos abaixei quase perdido.
"Se a ti eu flamejo na força do amor,
além do modo que na terra vê-se,
tão que dos olhos teus venço o valor,
não te surpreendas, pois isso acontece
da perfeita visão que, como apreende,
faz pro apreendido bem que inda se apresse.
Bem vejo como agora já resplende
no intelecto teu a eterna luz
que, vista, só e sempre amor acende;
e, se outra coisa o vosso amor seduz,
nada mais é que daquele um sinal
mal entendido, que nesta transluz.
(...)
* Os quatro primeiro versos finalizam o CANTO IV, os seguintes iniciam o CANTO V.
Dante ALIGHIERI in "A Divina Comédia" (Paraíso)