terça-feira, 5 de maio de 2020

MICHEL ONFRAY, A IMPORTÂNCIA DAS CIÊNCIAS HUMANAS E O PENSAR COMO VACINA.





Fui, há cerca de dez anos, uma leitora apaixonada e indignada do livro da psicanalista Élizabeth Roudinesco "Freud: Por que tanto ódio?". À época eu estava muito enfronhada e encantada com a psicanálise, cursava um doutorado na área e pensava, inclusive, na possibilidade de vir a analisar. O livro de Roudinesco era e é uma resposta ao livro do chamado "contra-filósofo" Michel Onfray, fundador da Universidade Popular de Caen, uma espécie de dissidência do estudo da filosofia tradicional. Michel Onfray em seu livro "O Crepúsculo de um ídolo" ataca Freud impiedosamente, à época foi xingado de, "no mínimo" oportunista e, assim, eu também o enxergava.
Passados quase dez anos e muitos livros e muita vida sob o sol e sob os olhos, tenho, hoje, uma outra compreensão de Onfray. Não, necessariamente, no que diz respeito a Freud e quanto a isso, lembro aos meus colegas do Direito o que foram os ataques de Ihering a Savigny, mas quanto à importância da crítica, do questionamento, da subversão no mundo das ideias. Onfray é polêmico, mas necessário, e muito, ao nosso tempo. Em um momento em que as ciências humanas são, elas mesmas, atacadas e desvalorizadas, Onfray propõe uma outra função para a filosofia, não aquela que se restringe apenas a ler e a compreender as problematizações colocadas por Kant, Schopenhauer, Nietzsche, mas aquela de responder às nossas próprias questões, indagações e angústias cotidianas.
Aquela que responde, por exemplo, nesse exato instante à pergunta "Devo ou não sair de casa?", "É melhor voltarmos ou não ao trabalho fora de casa?", "Como enfrentar ou negar a catástrofe?", "O que sou eu nesse momento em meio a essa pandemia?", "Na falta de leitos e de instrumentos, quem deverá ser escolhido para ser salvo?", "Como nos colocar diante das perdas e do luto?", "O que, como ser humano, já estou efetivamente ganhando e efetivamente perdendo?", "Em que medida o que sou transborda diante do outro ou do silêncio?".
Todas essas e mais milhares de perguntas, ainda que algumas sejam respondidas com o esteio nas chamadas ciências "duras", nada mais são do que um exercício filosófico o qual não temos boas condições de enfrentar sem um arcabouço de ideias que atravessam as ciências humanas e a sabedoria humana e as suas fabulações. Não são as ciências exatas que as resolvem. Não são as ciências exatas que nos ajudarão a responder sobre as nossas escolhas entre as práticas que nos levam ao viver ou ao morrer, sobre o nosso espanto diante do que é precário e provisório (nós mesmos), sobre as nossas inquietações existenciais profundas.
E é como instrumento de auxílio no elaborar dessas respostas que Onfray coloca a Filosofia a serviço de todas e todos e não apenas dos acadêmicos do "establishment".

Last but not least, ele, ao fazer uma hermenêutica do livro do "Gênesis"anda dizendo que Eva foi a primeira dos filósofos...

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