segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

 "MOISÉS, POR QUE NÃO FALAS?": MICHELÂNGELO E OS SEUS EMBATES COM DEUS.



A maneira mais simples, imediata e, a princípio, acessível a todas as pessoas para modelar a forma humana é a sua reprodução natural. Sementes masculinas e femininas fecundam-se e basta: A carne se faz  carne. Michelangelo desejava reproduzir a forma humana em seu mais alto esplendor, com a fidelidade às imagens espelhadas nas linhas divinas, e algo incomodava-o profundamente: A precariedade e a provisoriedade da vida humana. A sua mortalidade.


 Para sanar o ciclo da mortalidade, era insuficiente a carne fazer-se carne, sendo essa, inclusive a raiz da eterna finitude. É quando, Michelângelo, uma vez ciente de seus dons, inicia o seu embate com Deus. Tira-lhe a narrativa de criar o homem do pó na sua representação Sistina, pois, mesmo se vindo do pó, Adão em seu afresco apresenta-se já feito, cabendo a Deus apenas oferecer-lhe a vida através de uma centelha elétrica. A narrativa de modelar o homem do pó, será dele, de Michelângelo, e como um Prometeu desafiará Deus na sua obsessão de conferir a esse mesmo homem, aquilo o que Deus lhe negou: perfeição e eternidade. 


E é do pó que Michelângelo fará nascer o Davi, e é da pedra que Michelângelo, em suas palavras, "libertará" a Pietà. No corpo a corpo com a pedra, na batalha entre o pó de sua carne e a carne da pedra feita em pó.


Uma vez finalizada a escultura do profeta Moisés, talhada para o mausoléu do Papa mecenas, Júlio II, Michelângelo, em um ato de delírio, inebriado com a perfeição do que ele próprio criara, começa a martelar a estátua fervorosamente e a repetir: "Moisés, por que não falas!!!!!!????". Para decepção de Michelângelo, a imortalidade é muda, pois não tem mais nada a pedir.


Banhado no fogo de seu talento que, diversamente de Prometeu, não foi roubado, mas ofertado por Deus, Michelângelo, assim como Prometeu, respirou uma longa vida atrelado a uma rocha, escravo da beleza e do infinito a fazer brotar das pedras.


Esculpiu carnes em pedra até os últimos de seus dias. Mas, nos anos que antecederam a sua morte, da ânsia pela eternidade da pedra já havia se libertado. Repreendia quem o chamasse de escultor, retrucando não ser nem escultor nem pintor, mas, simplesmente, "Michelângelo". 


E em sendo Michelângelo, sua carne morreu e em sendo o Moisés, sua arte falou para sempre. Em sendo a sua alma, entregou-a a Deus.


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