segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

                                                           Encontros e Desencontros
                                                                                             Andrea Campos


O Livro de Sebo

Não tendo, ainda, havido o encontro, nos encontrávamos no desencontro. Mas eis que um dia eu o encontro para desencontrar-me de vez. Perdendo-me em vielas, não uma letra, mas um cheiro me sucumbiu. Não fui atraída por uma frase, mas por uma epifania. E foi com as pálpebras cerradas e as narinas dilatadas que adivinhei o seu título. Então ele se aconchegou, inesperadamente, em meus braços. Minhas mãos tremiam ao tocar a sua tez pálida, de um amarelo ocre, parcamente visitada pelo sol. Segurei suas orelhas esmaecidas e sussurrei-lhe o ininteligível. Sequer eu poderia escutar o que reverberava tão profundamente de dentro em mim. Tentei ouvir o eco que se arrepiava das paredes de meu desejo. Estava arranhado, carcomido, heranças de sua vocação para a promiscuidade. Encrustei-me para logo após lançar-me toda a ele, deixá-lo penetrar-me, fazer de mim um delírio de olhos fixos em suas fantasias. Com os dedos ensalivados, revirava-o sobre o meu colo e, de quando em quando, comovida, fechava os olhos e puxava-o de encontro ao meu seio arfante. O seu cheiro provocava-me um devaneio atávico, arremessando-me a um tempo outro, tempo de meu eu  desinventado. De repente, ele se irrompeu em um gozo de letras em capítulos sem fim e, assim, ele, um Livro de Sebo, fecundou o teu nome em mim.


Balcão de Bar

"No que você está pensando?". Há anos que você me pergunta no que eu estou pensando e derrama sobre mim esses olhos de compaixão inenarráveis. Você me procura no ar de seus dias tatuando o meu ar no ar que transborda de espelhos, tentando desvendar-me as expressões com as expressões de seu dicionário. Inútil. Sabe no que penso? Exatamente nisso: na inutilidade. Na inutilidade minha, na inutilidade sua, na inutilidade de tudo. Penso na minha carne como o derradeiro limite de tudo que é inútil e, ao capitulá-la, ela se revolta contra mim e, para além de mim, sangra. Sangra na busca de um sentido para o que tenho sentido, eu que sou um significado sem significante em busca de significação. E sabe o que isso significa? Que todo esse movimento, todo esse burburinho ao meu redor me enche de inércia e silêncio. Que vejo cada um dos rostos que me circundam se afogarem, um a um, na desesperança, que toda essa dança de luz e cor não entra no túnel escuro que atravesso agora. Tento acomodar um grito na parede do tempo e só o que ouço é esse fio de saliva que se desprega de sua boca. Pensava que eu estava tão somente triste à espera de um inominável? De uma hora ebúrnea que não desabrochou do lusco-fusco de meu dia? Ah! Como você é ingênuo e faz de mim tão pouco! A espera, mesmo que longa, tem gotas de tristeza alegre. E eu não sou alegre nem sou triste porque a alegria e a tristeza resultaram em mim inúteis. Não, não chore, é inútil! Embaraça o seu olhar contra o meu, alarga nossas distâncias e eu gosto quando você me olha, quando você me sente, quando você me exclama com esse seu ar insuportável de interrogação... Mas o fato é que se eu sinto que não tenho mais tanto tempo, há muito tempo e por muito tempo estarei ainda aqui, debruçada sobre o que há de mim e de você sobre esse balcão... Já vai? Não, não desvie os seus olhos de mim, não se apague de minha tinta, não me deixe! É inútil. Há uma tinta minha fazendo escorrer essa tinta sua e o gelo derreteu-se antes de ser quebrado . Quer um copo de gim? E, afinal, no que você está pensando?




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