terça-feira, 13 de dezembro de 2016

                                                               Eu sem Mim
                                                                                  Andrea Campos



Recebo uma notificação do Notificador Virtual de Mensagens: "Há uma notificação de Andrea Campos pra você". Um frio percorre-me a espinha. A alma dá um sobressalto e o coração avexa. Descolei-me de mim? Saí dispersando-me tanto ao ponto desse tanto-ser-eu-inteira colocar-me muito mais do que além da beira de mim? Sim estou à beira de mim e sou eu o à beira de mim e sou eu o precipício. Não posso sequer cair em mim, se já me perdi do eu desse eu em mim esgotado. Esse eu agora cifrado e que petulantemente alheio ao que fui e ao que ainda me sinto sendo vem e notifica-me. Notifica-me de quê? Sou eu a que parte, sou eu a que fica? Peço-me calma, calma, calma... Calma, apenas me escorreu a alma... Belisco-me a pele, sim, sinto-me um eu, talvez um eu sem mim, mas com alguma coisa que ainda me resta, mesmo que o que ainda me reste seja um não-eu-afim. Coagulo-me. Estou intransitória. Mas o fato é que eu notifiquei-me e eu sou um outro de mim, que é a mim desconhecido. Eu é um estranho que me aflige. Como ouso bater-me a porta? Não, não estou pra ninguém, muito menos pra mim mesma. Não, não me abrirei a porta. A porta está fechada e esse meu eu vem morder-me a aorta. Não, não quero ver seus olhos, sim não suportaria olhar-me. Com que humor eu me venho me visitar? Estou impreparada para o impreparável. Preparo-me. Talvez eu me venha só poesia, talvez vingança, talvez desprezo, talvez interrogação. Talvez vulnerável, talvez a ama seca. Não sei. Não quero esse despropósito de eu vindo a mim. Chega. E o Notificador Virtual de Mensagens continua a me importunar: "Há uma notificação de Andrea Campos pra você". Decido olhar-me pelo buraco da fechadura. Não sei se me reconhecerei. Ontem eu vi uma moça na padaria. Ela estava de costas. Eu estava contra um espelho e eu pensei que as suas costas eram eu. Confundi-me de mim. Não estou muito acostumada ao meu corpo e nem sei como mexo os cabelos ou os coloco de frente ou de lado. Passo o dia inteiro vendo-me apenas às vezes. São muitas poucas vezes pra que eu possa ser capaz de me reconhecer. Sim , então vi que ela não era eu ao espelho. A que era eu ao espelho era outra. Cumprimentei-a. Ela fez silêncio. Fomos embora. Mas agora não tenho a menor ideia de como agir. Sinto-me cansada e sem saída engolfada dentro do meu espanto. Algo em mim parou porque se corrompeu a esse outro eu. Decido olhar-me a mim de frente, sem subterfúgios e leio a notificação de mim pra mim: "Você tem 30 solicitações de mensagens". Mensagens? Eu estou me pedindo mensagens? Contatos imediatos do terceiro grau de corpo presente?. Não, não quero estar ausente de mim. Olho-me face a face, não reconheço meu cheiro e nem a minha pele. Sim, eu já havia ouvido falar que a forma como ouvem a nossa voz não é a forma como ouvimos a nossa voz. Então, curiosa sobre esse mim que é outro, debruço-me sobre um mim-outro descolado e que também me estranha. O meu mim-outro também está cansado, não me argui e nem me provoca. Apenas silencia à minha espera. Recebo-o em meus braços. Ainda estamos descoladas e apenas lhe pergunto como tem passado. Ela-eu me olha num sorriso em semi-tom como se eu já soubesse a resposta. Mas o nosso lugar não é aqui. O nosso lugar é um para além de nós. Afinal, mesmo divididas, temos em comum um antes, um agora e um porvir ... Digo-lhe: Preciso descansar-me em mim... Ela se aconchega a mim e me deita em si... E assim seguimos, juntas e resignadas, para sempre íntimas-desconhecidas... Fartas e sem nomes em nosso indissolúvel pacto de sangue.


Pablo Picasso

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