segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

 Dulcinéia



Ser quixotesca, burlesca, 

bailar em moinhos de vento. 

Enxergar o mundo à altura

do Cavaleiro da Triste Figura.


Desenroupar-me de pensamento, 

ser só picaresca, nenhum lamento,

reinar em vendas como

em castelos,

fazer-me ouro com os meus

farelos,


Transformar delitos

em só justiça,

todos os desditos 

em sagrados ritos,

os laivos do verdugo

em contra-dança,


Da terra malferida 

sacar a lança

e fazer do sangue 

a esperança.


Ter Sancho em mim 

num só caminho. 

Pois ninguém se é

se é sozinho.


Esporar a casca 

de Rocinante

num destemor

de cavaleiro andante,

desvalindo torres

e qualquer

gigante.


E quando 

arriasse a noite 

com seu açoite

e da batalha eu só

colhesse o nada,


ser só Dulcineia

a senhora amada,

a que por só desejo

é trespassada.


Assim vou pintando 

de passo em sonho

as tintas do belo 

no real medonho,

remetendo ao prelo

essa tão formosa prancha

onde a carne do mundo 

tem a alma sem Mancha.


Andrea Campos

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