quarta-feira, 6 de abril de 2022

A LEITEIRA





Ele vinha carregando uma leiteira, por uma estrada pedregosa com seus pés esburacados. As unhas tinham um preto que era a tinta das suas sombras, de seus sonhos sempre arrevesados. 


Tinha aprendido a ser um real de revés e a sonhar como quem se escoava da morte. Algumas feridas denunciavam joelhos calosos e gotas de sangue estancado eram a prova de que ainda estava vivo.


 Mas ele vinha, vinha, perfurando uma manhã que lhe extraía gota a gota o suor. Chegou ao alpendre da casa, abriu a porta e o chão de barro refrescou a sua alma. Sobre o colchão de palha um corpo de moça. Moça delgada com ossos que raspavam as tiras de lençol. 


A sua púbis se oferecia às nesgas de luz e brilhavam-lhe alguns pentelhos ralos. Ele deixou a leiteira sobre uma mesa de madeira rachada. Aproximou-se... Ela arfava, pausadamente, vez em quando soprava-lhe pedaços de suspiro. Tinha uma pele ajambada, ressequida e o cabelo de um crespo úmido. Ele pôs a mão em seu rosto, ela deu um muxoxo e abriu-lhe os olhos de soslaio. Eram uns olhos cor de malva respingados de um amarelo-sol.


Novamente, ela o espiou por entre as persianas dos cílios e apertou-lhe a mão. Naquele instante, ele todo se refez, sabia que ela o amava e ele era um homem outro, o coração bombava-lhe o tempo infinito cicatrizando-lhe as chagas. 


Ela, novamente adormeceu, mas o corpo dele só ali amanhecia. Novamente se fez silêncio. Mas nele cabiam  todas as palavras, as palavras dele, as palavras dela que se traduziam na vida em expansão.


Andrea Campos

Nenhum comentário:

Postar um comentário