domingo, 31 de maio de 2015

"Vamos de bonde?
     Não, vamos a pé...

     Eu, esse vosso cronista confuso, misto de acadêmico marginal e escritor bastardo, produzi exatamente essa resposta em algum dia de 1951, em Juiz de Fora, quando fui buscar a Zelinha no ensaio do teatro do colégio em que ela estudava. Era um dia chuvoso e nós andamos da Rua Halfeld até o Alto dos Passos debaixo de um mesmo guarda-chuva, o que me permitia ficar fisicamente próximo do ser idolatrado.

     Preferi o caminhar (que é velho e lento) ao bonde (que, naqueles tempos antigos, era veloz e confortável). Mas, em compensação o "passeio" sinônimo do andar sem rumo — metáfora do andar lado a lado —, essa raridade, esse caminhar junto (metafórico do peregrinar, do pertencer e do estar com o outro), subvertia os meios e os fins como a melhor prova de que estava apaixonado, tal como eu hoje enxergo que são essas substituições que nos tornam humanos. Só nós podemos realizá-las. Nem os anjos (que são perfeitos, mas não se reproduzem) nem animais (que são imperfeitos e se reproduzem além da conta) sabem o que é esse pertencer sofrido que vem de dentro para fora — como exprime o coração humano que está dentro e, ao mesmo tempo fora de nós."

Roberto DaMatta in "Brasileirismos - Além do jornalismo, aquém da antropologia e quase ficção".

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