E, então, como para
perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade.
Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo
como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos
primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos
primários, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de
vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não
devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo
quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei,
simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de
perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável
desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza,
de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a
levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. Uma manhã, a
sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no
galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração
transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me
amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me
voltasse contra ele.
Enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado — um pecado
mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era
possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e
infinitamente terrível.
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