ARACY MOEBIUS DE CARVALHO GUIMARÃES ROSA: O "ANJO DE HAMBURGO".
Em 1938, João Guimarães Rosa apostava em uma nova vereda existencial. Insatisfeito com o sofrimento experimentado no exercício da medicina e frustrado no casamento, seguiu, sozinho, sem a família, rumo a ocupar o seu primeiro posto internacional no Itamaraty: o de Cônsul-Adjunto no Consulado de Hamburgo na Alemanha. Lá conheceu a alta funcionária, Chefe do Departamento de Passaportes, Aracy de Carvalho, culta, poliglota e que, também, havia desertado do marido no Brasil em companhia de seu único filho de cinco anos de idade. Aracy deixou o marido em um tempo em que o preconceito contra mulheres separadas no Brasil atingia os píncaros. Apaixonaram-se. A beleza, inteligência, coragem e impetuosidade de Aracy fulminaram Rosa. Viveram esse romance torrencial quando a Alemanha já estava sob o poder do nazismo de Hitler e o Brasil era comandado pela ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas de vertente antissemita. O governo Vargas alinhava-se com o fascismo de Mussolini e tinha na Alemanha um de seus maiores parceiros no cenário internacional. Foi, então, nesse período, que Vargas fez circular uma resolução secreta na qual vedava que consulados e embaixadas brasileiras concedessem vistos de entrada aos judeus no Brasil. A resolução foi cumprida à risca pela maioria massacrante do corpo diplomático brasileiro. Mas não por Aracy que desafiou Hitler e desobedeceu Vargas e colocou-se em risco de morte ao conseguir que muitas dezenas de judeus adentrassem o Brasil através do "esquema" por ela montado. Para essa perigosa burla, teve a cumplicidade e a valiosa contribuição de seu já amante e amado, João Guimarães Rosa, cônsul-adjunto que, com ela, rumou no rastro desse risco. Muitas vezes, João, ele mesmo, ao substituir o cônsul-geral, concedeu os vistos de entrada, além de dar cobertura às práticas de sua amada destemida.
Aracy chegou a abrigar judeus perseguidos em sua própria casa, assim como a auxiliar-lhes com dinheiro e mantimentos para a jornada de fuga. Chegava a transportá-los na mala do automóvel do consulado para serem embarcados para um destino de vida e liberdade no Brasil. Para tanto, aproveitava-se do livre trânsito que lhe era possibilitado por seu passaporte diplomático.
Uma vez que o Brasil veio a declarar guerra aos países do Eixo em 1942, Aracy e Rosa ficaram sob a custódia do governo de Hitler durante quatro meses até serem, finalmente, trocados por dois diplomatas alemães. Casaram-se nesse mesmo ano de 1942, por procuração, no México, uma vez que no Brasil ainda não havia o divórcio.
Já viúva de Rosa, foi agraciada em 1982, pelo governo de Israel, com o título de "Justa entre as Nações". O nome de Aracy foi, então, incluído no Jardim dos Justos entre as Nações do Yad Vashem (Museu do Holocausto). Pelo seu heroísmo humanitário, Aracy foi, também, homenageada pelo Museu do Holocausto em Washington.
Tanto ela quanto Rosa ao serem indagados sobre o porquê de, mesmo não sendo judeus, haverem arriscado os seus postos e as suas próprias vidas ao desafiarem as ordens de Hitler e as de Vargas, tinham na língu'alma a mesma resposta: "Porque era Justo".
Fizeram a travessia da vida na mesma canoa até o ano de 1967 quando João Guimarães Rosa veio a falecer nos seus braços. Viver é mesmo muito perigoso... E não é não.
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