sábado, 9 de julho de 2022

 CAROLINA AUGUSTA: A MULHER VIRTUOSA DE MACHADO DE ASSIS.


Em "Escritores Criativos e Devaneios", Freud empreende o que para ele sempre seria um dos maiores mistérios: o processo de criação do escritor de ficção. Fantasía adulta que substitui o brincar da infância, a escrita seria inscrever a escrita de um desejo. Nessa empresa, certamente, o nosso Machado de Assis despertaria uma pletora analítica em nosso Freud. Capitus, Virgílias, as mulheres da literatura machadiana se não traíram seus maridos ou amantes, são, no mais das vezes, suspeitas ou estão em vias pra o fato. Luxuriosas, lúbricas, voluntariosas, foram em muito distantes do caráter da real mulher de Machado, a cultíssima e fiel companheira de toda a sua vida: a portuguesa Carolina Augusta Novais. Recém-chegada da cidade do Porto para cuidar de um irmão enfermo, a simpática e bonita Carolina "uma das poucas mulheres que ainda pensam" nas palavras de Machado dirigidas a ela, despertou paixões e admiração. E um dos fulminados pela flecha do Cupido foi o futuro Bruxo. Carolina casou-se com esse escritor ainda de poucas e tímidas obras, a despeito da oposição de seus irmãos, cujo argumento para a interdição era a de que Machado era um mulato. E se Machado profetizou que com ela ganhariam o mundo, esse mundo através do amor de Carolina, para ele nasceu e se fez redondo.


Cinco anos mais velha, Carolina era uma intelectual de grande estirpe e apresentou a Machado o melhor da literatura portuguesa e inglesa. Retificava, opinava e organizava os seus textos, tendo tido ela, segundo críticos, uma influência bastante considerável na passagem de sua escrita romântica para a escrita realista. E quão teria sido a sua influência na passagem da heroína convencional para a mulher de desejos? De quem eram as fantasias realizadas nas personagens femininas de Machado? Só de Machado? Ou em um casal há um inconsciente que é de ambos, ainda mais naqueles nos quais o companheirismo e a cumplicidade pululam? Não importa. Machado foi imenso e Carolina foi uma parte imensa nessa imensidão.


Curiosamente, quando se fez viúvo e triste, Machado, ao escrever o seu último romance "Memorial de Aires", trouxe à estampa não mais os tumultos e intempéries do desejo transgressor. Mas, o casal Aguiar, aquele casal que é transgressivamente feliz e que anda de olhares dados pelo escorrer da vida. A ausência de Carolina, provavelmente, fazia da sua vida com ela o seu maior desejo. E, certamente, a sua presença e posterior ausência foi determinante no perfil de suas personagens femininas a serem criadas.


Sentados de mãos dadas em uma namoradeira, assim era visto o amoroso casal do Cosme Velho e foi em alusão a esse amor transcendido que Machado assim finalizou o seu derradeiro romance: "Olhando um para o outro (...) Consolava-os a saudade de si mesmos". Pois se Machado foi de Assis, também foi Machado de Carolina.





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