sábado, 21 de maio de 2022

 PARA MUITO ALÉM DE OSWALD DE ANDRADE: 

OS AMORES DE TARSILA DO AMARAL 


A história não é apenas contada pelos homens, mas tão somente narrada em torno de seus desejos. 


Ao escutarmos, lermos e assistirmos sobre os encontros e desencontros amorosos que envolvem o trio modernista, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Patrícia Galvão, as narrativas se cingem às peripécias eróticas de um libertino Oswald de Andrade, aquele que segundo Pagu, tinha nela uma canalhice bem feita,  figurando ela e Tarsila como desaventuradas vítimas de seus desejos.


Tarsila, a traída, Pagu, a desiludida por esse Don Juan inexcedível que teria marcado, indelevelmente, os seus corpos e as suas vidas. Mas, a história, a verdadeira, a que contempla os desejos e a vida erótica e afetiva dessas duas grandes mulheres é bem outra. Sobre Pagu, muitos já o sabem, além de ter tido namorados enquanto ainda era casada com Oswald de Andrade, tal quando era militante comunista em Paris, encontrou o seu grande amor no jornalista e crítico de arte, Geraldo Ferraz,  com quem foi casada por vinte anos, teve um filho e viveu até os seus últimos instante de vida.


E Tarsila? O que ocorreu com ela após ter sido deixada por Oswald em nome do "angu" de Pagu? A imagem que se passa nas narrativas correntes é que ela teria se tornado uma mulher sofrida, marcada e resignada, chorando lágrimas de tinta com seus pincéis.


Qual nada!!


Tarsila, desde sempre foi uma mulher liberada, ousada e emancipada, à frente de seu tempo, embora saibamos que ser libertária sempre foi mais factível para as mulheres das elites, camada da qual a riquíssima Tarsila fazia parte. Quando conheceu Oswald de Andrade, era casada ainda com um primo, embora estivesse separada de fato. E casada, mantinha encontros clandestinos com Oswald até que conseguiu a anulação do seu casamento a fim de casar-se com o autor do Manifesto Pau Brasil. 


Após o fim de sua relação com Oswald de Andrade em 1929, se Tarsila sofreu, assim o fez nos braços de um outro amor, o psiquiatra Osório César, aquele que mantinha assídua correspondência com Freud. E foi com Osório César que Tarsila viajou para a URSS em 1932 a fim de conhecer o comunismo em seu celeiro e fazer cursos de arte realista soviética. Junto a esse grande intelectual, Tarsila viveu por vários anos.


Uma vez separada de Osório César, Tarsila entregou-se a uma paixão fulminante e ardorosa com um homem 20 anos mais jovem, o jornalista Luís Martins, conúbio que se estenderia por 18 intensos anos a despeito de toda a sorte de preconceitos investidos contra o subversivo casal.


Ou seja, Oswald de Andrade foi uma contingência amorosa  na vida tanto de Tarsila como de Pagu, havendo convivido maritalmente com cada uma delas por alguns poucos anos. Com Tarsila sequer teve filhos. 


Mas é o que se mantém gravado na história: Os desejos de um homem a submeter os desejos femininos e determinar seus destinos, impingindo-lhes irremediável sofrimento, a despeito da narrativa real das vidas de duas mulheres transgressoras, emancipadas, criativas e gozosas. 


Mulheres  que sem esse homem e para muito além desse homem, souberam fazer valer  o transbordar de seus corpos, seus amores, seus prazeres e suas Artes. Mulheres que  souberam, muito bem, de homens se aproximarem e, melhor ainda, deles se desvencilharem. 


Já passa da hora de resgatarmos o Modernismo conjugado nas primeiras pessoas do feminino e fazermos circular os seus desejos  nas veias da História.








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