quarta-feira, 4 de março de 2020


O CASO GUGU-ROSE MIRIAM OU O "OCASO DA IMPORTÂNCIA DA MATERNIDADE NA CONTEMPORANEIDADE".


Com alguma perplexidade e muitas interrogações, tenho acompanhado o caso "Gugu-Rose Miriam", não porque me interesse pela vida de nenhum deles, uma vez que sobre eles sempre tive total desconhecimento, mas porque visualizo, nesse caso, um fato emblemático a sinalizar para o atual lugar da mulher na família e para a importância da maternidade na contemporaneidade. Gugu e Miriam tiveram vida em comum durante 20 anos. União duradoura, pública e estável da qual frutificaram três filhos. Declaravam-se ser uma família e como uma família eram alardeados pelos meios de comunicação. Ocorre que Augusto Liberato veio a falecer precocemente, aos 62 anos, morte essa que se deu fatidicamente sob os olhos da companheira Rose, em sua casa em Orlando, EUA. Uma vez lido o testamento de Gugu, verificou-se que Rose Miriam não havia sido por ele contemplada, tendo sido preterida pelos sobrinhos do apresentador.

Quanto à herança, Rose sequer seria uma herdeira de Gugu, uma vez que a esta tem sido negada o status de companheira em uma União Estável. E o que se entende por União Estável? O art. 1.723 do Código Civil Brasileiro, assim a define: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

A grande celeuma, atualmente, residiria no questionamento de que Gugu e Rose não teriam intenção de formar família. De que ela teria sido contratada "apenas" para gerar seus filhos, educá-los, acompanhá-los em viagens e dedicar a sua vida, com exclusividade, ao Gugu, tendo abandonado o exercício da profissão de médica a fim de bem cumprir esse mister. O que ocorre é que na acepção de família para aqueles que negam à união de Gugu e Rose o status de União Estável, deve constar inextricavelmente a prática de relações sexuais, o vínculo erótico, aduzindo-se estar o mesmo ausente dessa controversa relação. Ou seja, há comunhão de vidas há duas décadas, há geração de filhos, há dedicação exclusiva, mas não há família, por não haver sexo marital. E por não haver sexo marital, vida erótica entre o casal, não tem Rose direito algum a ser herdeira. Isso me faz pensar na história das famílias e constato que durante milênios, o vínculo erótico-afetivo entre as partes de um casal foi de uma ausência eloquente, inclusive seria um mal familiar indesejado.

Na família grega, por exemplo, caberia à esposa a honrada função de reprodutora e educadora da prole, assim como de administradora privilegiada do lar. Famosa é aquela acepção de Aristóteles para o qual a mulher seria apenas um compartimento no qual o homem colocaria a sua semente a fim de germinarem seus filhos. A vida erótica e afetiva dos homens, o "eros" era encontrado fora do casamento, fosse nas relações com rapazes, fosse ao frequentar as cortesãs. As esposas que se mostrassem vocacionadas para uma vida erótica, poderiam ser repudiadas. As paixões, as práticas eróticas eram, no mais das vezes, adulterinas. São alardeados os lençóis perfurados utilizados durante a Idade Média até o século XIX, nos leitos conjugais, para que o casal não tivesse encontro de peles, mas, tão somente houvesse a penetração intra-vagínica.

No entanto, a ausência de erotismo e paixão não era um capitis deminutio, uma diminuição para a mulher, muito pelo contrário, a ela caberiam todos os direitos, uma vez que era a alta responsável pela geração e criação dos novos cidadãos e soldados para a pólis. Nas sociedades agrárias e mesmo nas posteriores sociedades urbanas, a maternidade continuaria a desfrutar de um lugar privilegiado, pois era através dela que seria gerada mão-de-obra, quer fosse para as atividades rurais, quer fosse para os postos de trabalho no comércio e na indústria. Jamais seria questionado o lugar de uma mulher na família e na união com um homem pelo fato de ela "apenas" gerar e educar os seus filhos e com ele conviver com dedicação exclusiva, mas com ele não ter uma vida erótica. Esse questionamento na atualidade nos leva a verificar um claro desvalor pelo qual passa a maternidade na contemporaneidade. Não a maternidade e a vida em comum, mas a vida erótica, essa sim é que é um fator determinante para que ali esteja uma família e ali se considere um casal. As razões desse fenômeno de desvalorização da maternidade podem ser facilmente observados para os que o quiserem ver. O incremento populacional e a crise alimentar, o esgotamento das agendas estatais para atender a demandas como creches, saúde e educação, os custos da gravidez de uma empregada para as empresas privadas, a diminuição da produtividade profissional de uma mulher e a queda de sua contribuição para a economia em decorrência de uma gravidez demonstram os impactos atuais da maternidade para o mundo da economia e do trabalho, assim como para a gestão dos recursos públicos.

Se antes, ser mãe era contribuir para a produção de riquezas, hoje, ser mãe pode representar um peso social e um entrave a ser suportado por toda a sociedade. Isso poderá mudar com a crise previdenciária, mas, por enquanto, a maternidade tem experimentado a sua valorização em queda abismal. Não se cobra, hoje, de uma mulher, ser mãe, mas sim, ter uma carreira, uma vida profissional, um bom poder aquisitivo, consumir e pagar em dia os seus impostos e as suas contas. Ser útil à sociedade através de sua atividade profissional. E isso, a nossa Rose não o fez. Pelo contrário. Abandonou a sua carreira e passou a ser absolutamente dependente financeiramente de um homem a fim de dar-lhe filhos e criá-los. E se com ele não tinha vida sexual, sequer pode ser considerada a sua companheira. O que antes glorificava uma mulher, o exercício da maternidade, hoje é apenas um detalhe, insuficiente, inclusive, para a constituição de uma família.

No entanto, a despeito da validade dessa análise da desvalorização da maternidade na contemporaneidade e da, correspondente valorização da produtividade profissional da mulher, assim como a insuspeitada atual supremacia da vida erótica sobre a maternidade como fonte de determinação de existência de vida conjugal, penso que, no caso Gugu-Rose, um valor maior se alevanta. Um valor representado pelos 800 milhões de reais a serem partilhados em sua herança. Não importa o quanto ela tenha contribuído para o equilíbrio e bem-estar de Gugu a fim de aquinhoar essas milhares de moedas. Nunca terá sido o bastante. Apenas a maternidade não alcança a importância desse valor.

Tivesse Gugu tão somente uma casa modesta de praia e um apartamento de três quartos em um bairro de classe média, opino que essa discussão sequer existiria. Rose Miriam já teria sido há muito reconhecida como sua companheira, a União Estável seria incontroversa de direito e de fato e eu não teria feito quaisquer reflexões sobre esse assunto e nem escavado a minha memória até Aristóteles e quebrado a minha cabeça com as políticas populacionais chinesas.

Mas, o que estão em jogo são 800 milhões de reais. E diante de 800 milhões de reais, não há quem de uma mulher se compadeça e nem maternidade que resista.

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