domingo, 14 de fevereiro de 2021

 A PINTURA DA ABÓBADA DA CAPELA SISTINA COMO UMA TRAMA DIABÓLICA PARA DERRUBAR MICHELÂNGELO.




Tendo já presenteado o mundo com o Baco, a Pietà e o Davi, Michelângelo já era um escultor reconhecido e famoso em terras italianas. Não sem demora, portanto, o recente aclamado Papa, Júlio II, cioso de uma imagem grandiosa póstera, comissionou o artista para que esculpisse a sua tumba. Seria uma tumba faustuosa, quase faraônica, com vários pavimentos e quarenta estátuas. Os olhos de Michelângelo ferveram diante da proposta. O minimalismo não estava em seu cardápio artístico.
Entusiasmadamente, o florentino embrenhou-se nas montanhas de Carrara a fim de delas extrair as melhores pedras de mármore. Levou nove meses nessa faena exaustiva, perigosa - muitos morriam ao rolarem as imensas pedras dos cumes às bases das montanhas -, mas tão saborosa para aquele que tinha no mármore o seu mais instigante e desafiador amante. Uma vez retornando a Roma a fim de prestar contas ao Papa, inesperadamente, não foi por ele atendido...
Ao mesmo tempo em que o Papa tinha projetos para sua tumba espetacular, também havia comissionado o arquiteto Bramante para erguer a nova Basílica de São Pedro. Bramante já era por demais renomado e agraciado pelo papado. O advento "Michelângelo" surgia-lhe como uma ameaça. Os tentáculos da inveja o absorviam e suas práticas que acenavam com o propósito de, literalmente, por fim ao artista, já eram adivinhadas pelo gênio de Florença. Com as reiteradas negativas do Papa em recebê-lo, Michelângelo suspeitou que não apenas Bramante estaria envenenando o Papa contra ele, mas planejava envenená-lo.
Tendo ouvido dizer que o Papa não mais estaria disposto a adquirir pedras, a matéria-prima michelangeana por excelência, e sentindo-se expulso e humilhado, o escultor foge para Florença, explicando todo esse episódio em uma carta ao seu irmão Giovanni e advertindo-lhe que fugia de Roma, também, para evitar que a sua tumba ficasse pronta antes que a do Papa.
Em face da perda do maior artista vivo para satisfazer as suas ânsias de megalomania através da arte, o Papa vai no encalço de Michelângelo e, uma vez, tendo encontrado-o em Bolonha, fazem as pazes e o armistício é selado com uma escultura em bronze feita por Michelângelo em homenagem ao Papa.
Michelângelo, então, volta a Roma, embalado pelo seu sonho de , enfim, empreender o seu projeto para a fantástica tumba do Papa. Toda em mármore, a tumba ficaria postada de forma evidenciada nos interiores da nova Basílica de São Pedro que estava sendo arquitetada por Bramante... Mas, ao que muito parece, não era apenas a Basílica que Bramante continuava a arquitetar...
Antes que Michelângelo retomasse a execução da tumba, o Papa o chama e diz-lhe que o Projeto será suspenso e terá que esperar. Ele precisa de Michelângelo para pintar a abóbada da Capela papal, a Capela Sistina. O artista enfurece-se, exalta-se e grita que não é pintor, mas sim um escultor. Indaga ao Papa o porquê de não comissionar o pintor Rafael para a empreitada. Nega-se, revoltado, a aceitar o encargo. Mas, o Papa, ainda que de Michelângelo apenas conhecesse as esculturas e nenhuma pintura insiste, insiste, insiste... E nessa insistência estaria o veneno de Bramante.
Ao que tudo indica, dado que Bramante não conseguiu livrar-se de Michelângelo em Roma, insistiu para que o Papa, ao invés de seguir com ele no projeto de sua tumba, o que muito provavelmente, apenas endossaria o brilho do genial escultor, entregasse a ele a pintura da Capela. Apostando em um resultado medíocre, o que levaria à desmoralização de Michelângelo e à consagração de Rafael Sanzio em seu lugar, Bramante teria insuflado a intransigência Papal. Enfurecido, triste e deprimido, Michelângelo, por fim, aceita a encomenda diante da chantagem do Papa: "Michelângelo, apenas esculpirás a minha tumba, se pintares a abóbada da Capela". Aceita, mas não sem impor as suas próprias condições, já que o Papa lhe havia dito que gostaria que na abóbada fosse feita uma simples pintura em afresco dos doze apóstolos. E a sua condição é a de fazer os desenhos que lhe aprouverem. Michelângelo, perfeccionista, passaria um ano inteiro apenas elaborando esses desenhos.
Uma vez iniciada a pintura da abóbada e havendo Michelângelo colocado um toldo sob a sua área de trabalho, já que continuavam a ser celebradas missas na Capela, o trabalho de Michelângelo, que ele preferiu seguir fazendo solitariamente, sem assistentes, era um grande segredo.
Curioso sobre se a sua trama estava sendo bem sucedida, Bramante, que tinha uma chave da Capela Sistina, entregou-a a Rafael, a fim de que este, às escondidas, nela adentrasse na ausência de Michelângelo e relatasse o acreditado "fiasco" do trabalho do pintor... Rafael ficou tão mesmerizado com o que se deparou, que mesmo já havendo finalizado a pintura da sua Escola de Atenas, inseriu em seu afresco a figura do filósofo Heráclito com as feições do mestre florentino.
Transcorridos quatro anos do que seria uma infelicidade e uma tortura para Michelângelo, este, que de já tão apropriado da arte que executava passou a fazê-la cada vez mais rapidamente, entregou-a ao Papa. Ao subtrair o toldo que escondia a obra-prima, olhos de encantamento, incredulidade e perplexidade fulminaram as imagens pintadas na abóbada. No lugar dos doze apóstolos, Michelângelo pintara a história do mundo. Se a intenção era derrubar Michelângelo, o artista resplandecia cada vez mais alto.
Enquanto Bramante entendia-se com o Diabo, Michelângelo, ao oferecer à humanidade o melhor que podia, fez o seu pacto com Deus.




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