sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

 "VIRGEM MÃE, FILHA DO TEU FILHO"




Era o ano de 1498 em Florença e o jovem Michelângelo havia completado 23 anos de idade, O obstinado artista já gozava de boa fama não apenas por haver esculpido um revolucionário Baco para um banqueiro florentino, como pelas belas peças que os seus cinzel e martelo criaram durante a temporada na qual vivera no Palácio dos Médici custodiado por Lorenzo, o Magnífico.
Na esteira das faíscas que crepitavam de suas obras, o Cardeal francês, Jean Bilhères de Lagraulas escolheu por apostar alto no jovem artífice e encomendou a Michelangelo uma imagem da Nossa Senhora para a Capela dos Reis de França, então, antiga basílica de São Pedro.
Entusiasmado, Michelângelo acorreu a Carrara onde escolheria a melhor pedra para a sua imagem. No caminho de volta para Florença, recitou os versos que sabia de cor da Divina Comédia de Dante, tendo assim a visão de como seria a sua Pietà.
Quando finalizada a obra, um ano depois, em 1499, junto ao encantamento provocado pela marmórea escultura, para muitos, a mais perfeita um dia já esculpida, alguns criticaram o rosto juvenil da Virgem, além de suas proporções muito superiores às do Cristo morto. A essas objeções, Michelângelo respondia recitando os versos de Dante:
«Ó Virgem mãe, filha do teu filho,
humilde e alta mais que criatura,
fim firme do conselho eterno,
tu és aquela quem nossa natura
tanto nobilitou que o seu feitor
não desdenhou de ser sua feitura.
Reacendeu-se no seio teu o amor
por cujo lume nessa eterna paz
assim foi germinada uma tal flor.
Meridiana luz lá és pra nós
de caridade, e cá, entre os mortais,
desta nossa esperança és viva fonte.
Senhora, és tão grande e tanto vales,
que quem quer graça e não recorre a ti,
quer que sem asas voe o seu anseio."
(Dante, Paraíso, Canto XXIII).
Tendo ouvido um peregrino nomear um outro escultor como o autor de sua Pietà, uma noite, às escondidas, Michelângelo adentrou a Capela e assinou o seu nome sobre o dorso da Virgem "Michelângelo Buonarroti, florentino, foi quem a fez."
Essa foi a primeira e última vez que Michelângelo assinaria uma obra sua. Depois disso, a alma do artista exalaria de toda arte tida por impossível. Assinar não era mais preciso.

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