quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

 BRIDGERTON: AFINAL, HOUVE UMA RAINHA NEGRA NA INGLATERRA OU TUDO NÃO PASSA DE UMA AÇÃO AFIRMATIVA FEITA EM FICÇÃO?





Era finais do ano de 2017 e na recorrente cena que insiste em plasmar o conto de fadas à família real britânica, um apaixonado Príncipe Harry, anunciava o seu noivado com a atriz americana, a bela morena, Meghan Merkle. Narrativas do passado recente da história real europeia eram evocadas: uma atriz americana e um Príncipe europeu tal como no casamento entre o Príncipe Rainier e Grace Kelly. Ah, o eterno retorno nas histórias de amor principescas! A atriz, uma autodeclarada feminista e ativista dos direitos humanos alardeava estar mais do que pronta para ser uma princesa, e que eram perfeitamente compatíveis o exercício dos papeis de Cinderela e o de mulher emancipada a um só tempo.
Tudo ia perfeitamente bem nos tabloides britânicos e fora deles quando no dia do matrimônio real, em maio, mês das noivas, de 2018 na Capela de São Jorge, no Castelo de Windsor, compareceu, visivelmente emocionada, mas francamente constrangida, a mãe da noiva, uma mulher bela... E negra. Sim, Markle não era apenas uma bela mulher morena, a presença de sua mãe anunciava o inafastável: Sangue negro estava invadindo o sangue azul da Família Real. Se isso foi bem acolhido pela realeza britânica, em detalhes, não sabemos. Apenas recebemos a notícia em janeiro de 2020 que o casal estava renunciando às suas funções reais e no lugar de uma entusiasmada Princesa Markle, uma determinada senhora Meghan atirava ao Tâmisa o tratamento a ela dispensado de 'Sua Alteza Real'.
O que se passou entre as paredes dos castelos britânicos entre 2017 e 2020 nem o tablóide, The Sun, conseguiu apurar, mas o que já vinham fazendo os pesquisadores e acadêmicos americanos e ingleses, nós podemos alardear: Pesquisas e mais pesquisas a fim de vasculhar se já haveria existido ou não, em algum tempo, sangue africano na Família Real Britânica. E as pesquisas que já vinham sendo feitas desde a década de 90 do século passado, ganharam novo fôlego na propagação do nome da Rainha Sophie Charlotte de Mecklenburg-Strelitz (1744-1818), uma princesa de um ducado no norte da Alemanha, no ainda Sacro Império Romano-Germânico que deixou seu reino para desposar um apaixonado rei Jorge III da Grã-Bretanha.
E essa rainha que mais tempo ficou como rainha consorte no reino britânico até hoje, 57 anos, descenderia de uma mulher africana, Madragana Ben Aloandro, amante do rei de Portugal, Afonso III. Charlotte, então, estaria, segundo especialistas em diáspora africana, ligada ao ramo negro da Casa Real Portuguesa. No entanto, Madragana não seria exatamente uma mulher negra, mas moçárabe, típica dos povos africanos do norte. A despeito de que a ascendente negra de Charlotte, seria uma moura, o fato é que não poucos relatam os traços mulatos da rainha e sua clara herança negra. Traços negros que foram esbranquiçados pelos pintores da Corte, mas não pelo pincel de Allan Ramsay.
Charlotte está separada de sua ascendente africana em 15 gerações, e tendo ela traços negros ou não, o que é certo é que tem sangue africano. Como é certo que a rainha de sangue africano, por sua vez, é ascendente da rainha Vitória e da rainha Elisabeth II. E em sendo ascendente da Rainha Vitória, cujos filhos se espalharam por praticamente toda a realeza europeia, isso significa que em todo sangue azul europeu, há sim sangue negro, sangue africano.
Talvez tenha sido esse o recado que o diretor da série de grande sucesso, Bridgerton, Chris Van Dusen, da NetFlix, baseada nos livros de igual sucesso da escritora Julia Quinn queira dar à Nobreza britânica e aos seus súditos. Recado a nós todos. Às pessoas negras, inclusive, uma vez que uma das ações políticas da rainha negra fictícia foi conceder linhagens nobiliárquicas, incluindo propriedades, a outras pessoas negras, lembrando-nos que representantes de minorias no poder devem alçar minorias ao poder e não apenas se manterem como incidentes excepcionais. Sabemos que não são poucos os casos de pessoas pertencentes a uma minoria, e aqui me refiro a todas elas, que ao alcançar poder econômico e social, tão somente reproduzem o modelo de opressão que as oprimiu e perseguem os seus privilégios. Na série televisiva, a razão objetiva na narrativa para vermos tantas pessoas negras circulando em meio à nobreza é, justamente, essa concessão de linhagens e propriedades "em série", já desculpando-me pelo trocadilho, promovida pela rainha negra.
No sentido metafórico, mais do que uma ação afirmativa a sustentar a diversidade de atores brancos e negros, a série revela uma verdade. Uma verdade que não está expressa no fenótipo, mas que corre no genótipo. Se o personagem do Duque de Hastings e de outros, na realidade, não eram negros na aparência, traziam, certamente, também, a África na essência. O mesmo se pode dizer, como aqui já o foi dito, no sangue da própria Rainha Elisabeth II e, por consequência, corre nas veias do apaixonado Príncipe Harry. E não é impossível que o diretor, ao eleger um casal de duque e duquesa negro e branca como protagonistas, tenha querido fazer uma homenagem aos atuais Duque e Duquesa de Sussex, Harry e Meghan ao contrário. Afinal, temos, atualmente, uma duquesa negra na realeza britânica.
A série Bridgerton, portanto, de forma lúdica e fantasiosa, através de uma estética que prima pela diversidade, que é aquela que compõe cada um de nós, seres humanos, não fez nada mais do que colocar o preto no branco no papel da história.

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