terça-feira, 26 de janeiro de 2021

"OS ANOS QUE VIVEMOS EM PERIGO" E COMPELIDOS A PRODUZIRMOS MAIS, MAIS E MAIS...




Do mesmo modo que, ao sermos infectados por um vírus, o nosso organismo se põe a postos e inicia uma campanha de guerra a fim de eliminá-lo, ao sermos ejetados a um mar de morte, no qual somos por ela rodeados por todos os lados, reagimos, automaticamente, com práticas que venham a reafirmar a vida que continua a palpitar em nós.
Alguns se colocam em estado de torpor, o que também é uma reação e a escolha da autopreservação pelo não enfrentamento. Outros, por não suportarem o estado de guerra deflagrado e a sua vulnerabilidade diante dela, nega-a. Muitos lançam-se ao hedonismo em um paradoxo hipercomplexo: Gozar ao máximo o dia de hoje, inobstante (ou a fim de?) gozar, ao máximo, o prazer da morte, logo amanhã.
O que é comum a todos nós, sem exceção, é que se trata do momento de revelamos as nossas estratégias singularíssimas de fazermos face à morte. E uma delas é nos pormos em movimento incessante de produtividade.
Mais do que estarmos em um modelo capitalista, neoliberal, que nos empurra para o consumo e a permanente produção de riquezas, diante do real da morte, pomo-nos em franca atividade com a intenção de produzirmos vida a fim de nos sentirmos vivos. A fim de atestarmos para nós mesmos que a nossa imagem continua a ser refletida diante do espelho, que a vida que circula em nós se sobrepõe à morte que nos fareja.
Uma reafirmação do Dasein, do ser e estar no mundo, heideggeriano, ou mesmo, um campo de luta de forças nietzschiano, no qual pretendemos fazer valer a nossa potência vital, e por quê não, uma clara disputa entre pulsão de vida e pulsão de morte freudiana.
No entanto, como tudo que existe em excesso transborda e sobra, o esforço contínuo pela produção de vida em nós e para fora de nós pode ter um efeito perverso se nos passa a causar angústia, se nesse mar de morte nos sentimos como permanentes náufragos a nadar freneticamente em busca de uma tábua de salvação que nunca vem.
Se ao pararmos para boiar, nos sentirmos como prestes a sucumbir, esse movimento perpétuo, transformado em compulsão, poderá ter o efeito reverso de nos levar à exaustão e à depressão.
O que fazer, então?
Já que ilustrei o fenômeno com a filosofia e a psicanálise, continuando nesses saberes, talvez uma saída-atalho seja a volta aos gregos. A volta a Sócrates e ao seu cuidado de si. A volta aos estoicos e à sua capacidade de contemplação.
Sim, é saudável produzirmos vida para nos sentirmos vivos quando a morte se faz perigo constante. Vida corporificada em produtividade profissional, artística e até na reprodução de um novo ser vivo. É o nosso modo mental de produzirmos anticorpos contra as ameaças à existência.
Mas, também podemos produzir anticorpos e imunidade, fazermos vencer a vida sobre o absurdo da morte, através da reflexão, do sonho, da meditação, das memórias. Podemos produzir vida, também, imersos no nada. E no nada encontrarmos o inesperado.
Ao nos percebermos vivos pela nossa capacidade contemplativa de sentir a vida e enxergar o outro, produzimos uma nova estética para o viver e para o morrer. E podemos reafirmar a existência nossa e o pulsar do mundo ao tocarmos no fundo impossível de nós mesmos.

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