sábado, 9 de janeiro de 2021

 

Com a CELEUMA suscitada pelas PÉTALAS da DIVA de JULIANA NOTARI, lembrei-me dos CUIDADOS sacros com as PARTES do DAVI de MICHELÂNGELO.





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A despeito dos livros queimados pela Inquisição, parece-me ser incontroverso que a Igreja Católica sempre foi a maior mecenas do mundo das artes plásticas em todos os tempos. Basta evocarmos toda a arte que transborda na Capela Sistina e nos Museus Vaticano para confirmarmos essa tese. Basta reportarmo-nos àqueles dias quando, a um só tempo, Michelângelo pintava o forro da Capela Sistina e, a algumas portas ao lado, Rafael era o artífice dos afrescos que iluminariam os aposentos papais, dentre eles o da Escola de Atenas.


Durante a Missa do Galo no último Natal, quando, então o Papa beijou a representação singela do menino Jesus, esse beijo ecoou na face de todos os artistas, não apenas dos Da Vincis e Giottos, mas também na daqueles que ergueram o atual e polêmico presépio que resiste no centro da Praça de São Pedro. Presépio com figuras a la Botero intergaláctico. Não preciso dizer que, às críticas e insultos ao presépio, o Papa Francisco fez ouvidos de mercador.


Mas do Papa Francisco, volto-me ao Papa Julio II em inícios do século XVI. À época, na República de Florença, a Igreja dispunha de um imenso bloco de mármore de Carrara na qual deveria ser confeccionada a figura bíblica do pastor Davi. A intenção era de que a escultura decorasse, em conjunto com a de outros profetas, incluindo a do profeta Josué já esculpida por Donatello, o contraforte da Catedral de Santa Maria del Fiori. Inicialmente, a obra foi encomendada a Duccio que a abandonou após a morte de Donatello. O Mármore restou vinte e cinco anos intocado até que as autoridades eclesiásticas contrataram para refazer a estátua, o então jovem artista Michelângelo.


Por ordens do Papa Júlio II, o Davi deveria ser esculpido totalmente nu, uma vez que a sua única armadura foi a Fé em Deus. O Sumo Pontífice, então, fiscalizou, diuturnamente, a confecção das partes do profeta, com o cuidado de que, de modo algum, Michelângelo ousasse representá-las na forma circuncidada, afinal, tratava-se de um Davi católico e não de um Davi judeu.


Após dois anos, uma vez, finalizada a obra-prima, debatia-se onde a mesma deveria ser instalada. Sandro Botticelli defendia que a estátua, com a sua beleza e suntuosidade deveria ficar dentro da Catedral, outros advogavam pelo projeto original, qual seja, diante da Catedral. O voto vencedor foi de que o Davi deveria ficar em praça pública, diante do Palácio do Governo na Piazza della Signoria, uma vez que na estátua estava representado não apenas o profeta, mas o cidadão florentino com a sua afirmação da liberdade e o seu destemor em face a Golias.


Quatro séculos depois, com fins de melhor preservação, a escultura foi transferida para o interior da Galeria da Academia de Belas Artes. Mas, o povo de Florença não aceitou que a praça ficasse "nua" e uma cópia do Davi foi esculpida a fim de continuar a adornar e a emanar vitalidade e força ao povo florentino. Sim, pois é disso que se trata: vitalidade e força. As mesmas que emanam da escultura feita a céu aberto pela artista Juliana Notari. Aquela obra de arte que representa o portal que atravessamos para chegar ao mundo e que assusta tantos homens não apenas pelo poder que tem de trazê-los à existência, mas de levá-los sempre de volta ao paraíso. A nudez feminina apenas é suportada enquanto objeto das fantasias masculinas, nunca como expressão feminina de poder. Menos ainda se essa representação tem como autora, uma mulher.


Talvez os puritanos que se dizem tão religiosos e apedrejam as Divas e os Davis, devessem melhor observar as palavras de Deus nas Escrituras. Segundo essas palavras, o homem foi feito à sua imagem e semelhança. E nessa semelhança incluem-se as partes e as pétalas.


E para representar o que há no mundo de mais sagrado, existe a arte, que tem o condão de, desde o mundo, possibilitar que se toque o céu. Para tanto, que sejam artisticamente incensados o aroma de partes e de pétalas: Urbi et Orbi.


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