quarta-feira, 3 de junho de 2015


Trecho do poema "Máscaras" de Menotti del Picchia



"PIERROT
E ela?

ARLEQUIM
Ficou calada...
Meu amor disse tudo, ela não disse nada, mas ouviu , com prazer, a frase
que renova no amor que é sempre velho, a emoção sempre nova!

PIERROT
Que lhe disseste enfim?

ARLEQUIM
O ardor do meu desejo,
a glória de arrancar dos seus lábios um beijo, a volúpia infernal dos seus
olhos devassos, o prazer de a estreitar , nervoso, nos meus braços, de
sentir a lascívia heril dos seus meneios, esmagar no meu peito a carne
dos seus seios!

PIERROT, assustado:
Tu ousaste demais...

ARLEQUIM, cínico:
Ingênuo! A mulher bela
adora quem lhe diz tudo o que é lindo nela. Ousa tudo, porque todo o
homem enamorado se arrepende, afinal, de não ter tudo ousado.

PIERROT
E ela?

ARLEQUIM
Vinha pelo ar, dos zéfiros no adejo, um perfume de amor lascivo como
um beijo, como se o mundo em flor vibrasse, quente e vivo, no erotismo
triunfal de um amor coletivo! 

PIERROT, fremindo:
E ela?

ARLEQUIM
Ansiando, ouviu toda essa paixão louca, levantou-se...

PIERROT
Depois?

ARLEQUIM , triunfante:
Deu-me um beijo na boca!
Um silêncio cheio de frêmito. Os lírios tremem. Pierrot
olha o crescente. Arlequim dá um passo, vê a brandura,
toma-a entre as mãos nervosas e magras e tange, distraído,
as cordas que gemem.

ARLEQUIM
Linda viola.

PIERROT, alheado:
Bom som...

ARLEQUIM
Que musicais surpresas não encerra a mudez
destas cordas retesas...

Confidencial a Pierrot:

Olha: penso, Pierrot, que não existe em suma, entre a viola e a mulher,
diferença nenhuma. Questão de dedilhar, com certa audácia e calma,
numa...estas cordas de aço, e na outra...as cordas d’alma!
Suavemente, exaltando-se:
O beijo da mulher! Ó sinfonia louca da sonata que o amor improvisa na
boca... No contado do lábio, onde a emoção acorda, sentir outro vibrar,
como vibra uma corda... À vaga orquestração da frase que sussurra ver
um corpo fremir tal qual uma bandurra...Desfalecer ouvindo a música
que canta no gemido de amor que morre na garganta...Colar o lábio
ardente à flor de um seio lindo, ir aos poucos subindo...ir aos poucos
subindo...até alcançar a boca e escutar, num arquejo, o universo parar
na síncope de um beijo!
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