quinta-feira, 23 de julho de 2015

Como uma pernambucana que gosta de arte e tenta fazer arte, sempre convivi com os artistas contemporâneos de meu estado na medida do possível e na medida de nossas afinidades. Saboreava conversar com João Cabral de Melo Neto, o seu tom intimista, lírico, sevilhante, e visitá-lo em seu apartamento na praia do Flamengo quando ia ao Rio de Janeiro, fazia parte inexcludente de minha programação. Não poucas vezes, estive no mesmo ambiente no qual, também estava, um outro grande escritor, o dramaturgo Ariano Suassuna. Mas como Ariano era mais ligado à arte do risível, do cômico e do burlesco, sentia-me pouco à vontade para soltar-me com ele em digressões, já que esse universo da arte sempre me foi mais desconhecido. Olhavámo-nos sempre por instantes com certa timidez o que não nos impediu de fazermos, lado a lado, a caminhada em homenagem ao cantor e compositor Chico Science quando este faleceu prematuramente de um terrível acidente. Íamos juntos pela avenida na beira da praia, como sempre, em silêncio. Ariano está morto. Esse mês faz um ano que ele cumpriu a sua pena, essa que ele, tão belamente, taxou como a pena a ser cumprida por todos nós: a de eternos condenados à morte. Mas foi nesse mês da passagem de sua morte que ele esteve, mais que nunca, feericamente, vivo pra mim. Ao ler seu livro de filosofia "Iniciação à Estética", senti-me aconchegadamente próxima a ele. Pude ouvir, claramente, a sua voz, acompanhar seus meneios, surpreender-me com a sua erudição, gozar de sua elegância e ponderação, além de deleitar-me com a sua escrita. Tive, finalmente, com ele, o encontro que nunca havíamos tido: o encanto com o inimaginado.  Penso, agora, em Ariano passando por mim, como passou tantas vezes, e tenho o súbito desejo de voltar àqueles instantes e entabularmos uma conversa. Impossível. Voltar, mais do que um verbo intransitivo, é um verbo de tempos impossíveis. Nunca se volta a nada em tempo algum. Voltar a uma pessoa, a um lugar, a uma contingência. Voltar a um sentimento. Isto porque àquilo a que se pretende voltar, simplesmente, já não existe. No mínimo, transforma-se, transfigura-se e o nosso movimento de retorno a ela, nada mais é do que passos rumo a um novo desconhecido, a um novo surpreendente. Mas, a impossibilidade de voltar a Ariano não habita apenas a casa das ilações, é uma impossibilidade mecânica, do mundo dos fenômenos físicos e aparentes. A impossibilidade que nos finca com o aguilhão do absoluto e que não transige com o real da morte. Mas, não estamos aqui cingidos ao mundo do real, falamos aqui a partir de nossas humanidades, de nossas sensibilidades, de nossos imaginários, do transcendente que nos mantêm, para sempre, vivos. E é nessa minha precária humanidade, que nas primeiras luzes desse meu amanhecer, eu me encontro com a humanidade de Ariano: imensa. E como uma peregrina que, com o seu cajado, tateia o fugidio das horas, sigo em frente com ele, ensaiando a todo o tempo, abrir as cortinas da vida e subir ao palco do dia. 
Obrigada, Mestre.

2 comentários:

  1. Andrea, tive a felicidade de tê-lo como professor de Estética, no curso de Arquitetura da UFPE, e confirmo sua queda para o risível e o cômico, categorias da beleza tão bem explicitadas por ele em seu "Iniciação à Estética", livro indicado para os que se aventuram no mundo instigante, mas fascinante da beleza. Bjs!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Querida Gisele, que privilégio!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

      Beijos!!!!!!!!!!!!!!!!!!

      Excluir