sábado, 11 de julho de 2015



Um diálogo imaginário entre aquela que é feliz, mesmo na infelicidade do amor e aquela que é infeliz, mesmo na felicidade do amor. Clarice Lispector e Louise Andreas-Salomé sentam-se para um chá e conversam... Eu entro no meio...




Salomé: - Não é sem razão que se diz que todo o amor dá felicidade, incluindo o amor infeliz. É preciso apreciar a validade desse princípio sem a menor concessão ao sentimentalismo, sem ter o mínimo que seja em conta o objeto amado, considerando simples e exclusivamente a felicidade de amar em si, que na sua exaltação solene, acende em nós, até ao mais secreto recanto da nossa alma, cem mil círios, cuja luz faz desaparecer por completo todas as coisas reais e exteriores.

Clarice: - Estou sofrendo de amor feliz. Só aparentemente é que isso é contraditório. Quando se sente amor, tem-se uma funda ansiedade. É como se eu risse e chorasse ao mesmo tempo. Sem falar no medo que essa felicidade não dure. Preciso ser livre - não aguento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto. Não posso me submeter à pressão do mais forte.

Eu: -Tudo o que vocês dizem regurgita em mim. Broto de uma pedra e me quero ser flor. Mas, no máximo, sou pétala empedernida e só o que sinto é a embriaguez de um cheiro vazio. Vocês falam de felicidade e infelicidade. Ambas palavras me escapam. Ser feliz ou infeliz é um verbo inconjugável. Seus tempos são sempre imperfeitos, seus sentidos, um subjuntivo sem futuro. Só o amor me é inescapável. E eu sempre escapo...

Clarice: - Eu venho de uma loga saudade. [...] Dor? Alegria? Só é simplesmente questão de opinião.

Salomé: - Amar é conhecer alguém cuja coloração deve revestir todas as coisas antes delas  nos alcançarem, que deixam de ser estranhas e aterradoras, ou vazias e frias, e que pelo contrário, tal como animais ferozes no Paraíso, se deitam, domadas, aos pés da vida.

(Silêncios...)

Eu: - Contraio-me e dilato-me... Sou monocórdica e distônica... O amor é esse sanguíneo arrevesado. Esse encardido encarnado que me recobre. Só não sei se quando vivo, grita morto, se quando morto, grita vivo. Feliz ou infeliz, o amor é sempre vermelho...

Clarice: - Oh não quero mais me expressar por palavras: quero por "beijo-te".

E voltamos a saborear o chá.



As falas de Clarice Lispector foram retiradas do livro "Um sopro de vida" e as de Louise Andreas-Salomé, do livro "Eros".

As posições das duas escritoras fingem ser antitéticas, mas se encontram em suas finalidades. Ambas são como um zéfiro que sopram a nossa existência, nos dão a cal de nossa singularidade. Ser feliz no amor infeliz ou ser infeliz no amor feliz é o que nos faz sentir vivos e nos presenteia um lugar no mundo.

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