sexta-feira, 10 de julho de 2015

O Erotismo e a Arte (Trechos)

Por Louise Andreas-Salomé



Francis Bacon


Percebemos de um modo muito mais nítido o que são os estímulos fundamentais, os verdadeiros estímulos do erotismo, quando os comparamos com outros processos através dos quais a imaginação se exprime, em particular com os da criação artística. Estamos nesse caso em presença de um parentesco profundo, quase se poderia dizer de um parentesco de sangue, pois, no acto do artista, entram em acção e emergem, sob as forças individualmente adquiridas, forças arcaicas de uma apaixonada emoção. Ambos os casos integram misteriosas sínteses do passado e do presente, o que constitui a experiência fundamental, e nos dois casos existe a embriaguez da sua interacção secreta. Nestas obscuras regiões de fronteira, pouco ou quase nada ainda está sendo estudado sobre o papel que pode desempenhar, num caso como no outro, o plasma germinativo; mas como o instinto de criação estética e o instinto sexual apresentam analogias tão extensas que o êxtase estético desliza insensivelmente em êxtase erótico e este tenta voluntariamente dotar-se de adorno estético - ou talvez este tenha revestido directamente a animalidade, tendo o corpo como matéria de criação - tais factos parecem demonstrar um crescimento geminado a partir da mesma raiz.

(...)

É por isso que se pode dizer que o amor e a criação têm as mesmas raízes: em toda a criação a obra jorra viva de amor todo poderoso que o objecto provoca, das transbordantes delícias que nele são encontradas; é um acto de amor em seu sentido mais profundo; e do mesmo modo, todo o amor é acto criativo autónomo, volúpia de criar, iniciada pelo ser humano que se ama, mas empreendida por amor de quem ama e não por amor a quem se ama...

In EROS, (trechos das págs. 62 e 104), Lisboa: Relógio d'Água, 1990.




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