quarta-feira, 8 de julho de 2015

"As Mulheres de Alger" de Picasso: US$ 179, 3 milhões de dólares.


Com a morte de Matisse em 1954, Picasso passou a dedicar-se à pintura de mulheres de culturas mouriscas. Seria uma forma de dar seguimento a um motivo bem caro a Matisse: as suas odaliscas.  Sem esquecer que o próprio Matisse fez uma viagem de estudos a Argélia, da qual teve como um dos resultados, a pintura de um nu de uma argelina (Nu Azul de 1907). Sabemos que uma forma de suportar a ausência de alguém, é introjetar esse alguém para dentro de nós e Picasso parece ter seguido a contento as linhas dessa trama... Além do mais, nada de tão novo estava sendo criado, já que um quadro desde sempre adorado pelos pintores é "As Mulheres de Alger" de Delacroix, inclusive, uma das obras preferidas de Renoir. Mas não é sobre os amores, as dores e as amizades dos pintores que estamos querendo discutir aqui. Sequer sobre as suas vidas, os seus sonhos, as suas paixões artísticas, o sangue que os move e que os mobiliza, os seus ideais (lembrei-me, agora, de Van Gogh, dormindo no chão para conhecer com a pele e os ossos a realidade dos camponeses que pintava), mas sobre o mercado da arte e os seus subterrâneos.

No último leilão da Christie's, o quadro "As mulheres de Alger" de Picasso atingiu o estratosférico preço de US$ 179, 3 milhões de dólares, superando o tríptico que Francis Bacon havia feito com os retratos de Lucian Freud que atingiu US$ 149 milhões de dólares, este, por sua vez, já havia superado "O Grito" de Munch e os seus também zilhões de dólares. O colecionador e proprietário do quadro de Picasso não quis ter a sua identidade revelada. O comprador, também, não. Muitas vezes, esses quadros são comprados por mega-milionários orientais e ficam encarcerados em cofres pra não mais serem olhados, são literalmente roubados da contemplação  humana. Verdadeiras mulheres-escravas que são compradas e que são vendidas para serem cativas, como o foram e como o são tantas algerianas, tantas odaliscas...

A monetarização exacerbada aliena a obra de si mesma e de seu autor. O artista derrete-se nas tintas, as tintas se derretem em números que elas desconhecem e neles não se reconhecem. São preços astronômicos para obras de valor artístico astronômico, quando não, inestimável. Claro que o pintor, principalmente, em vida, precisa viver através de sua arte.  Mas, nesse preço estão outros interesses que pertencem a uma outra dinâmica que não é a da arte e, muito menos, a do artista... São preços que mergulham essa obras-primas, estritamente, no mercado financeiro, no jogo da especulação. Ocorre uma transmutação perversa: a obra de arte deixa de ser uma obra de arte e passa a ser dinheiro vivo, daí serem encarceradas em cofres. Sem podermos deixar de considerar as possibilidades das aviltantes práticas de lavagem de dinheiro e  de outras figuras ilícitas.

Fico pensando como os sensíveis e idealistas Picasso, Van Gogh ou Munch reagiriam a tudo isso... À captura e à degola de suas artes. Paradoxalmente, não ao incremento, mas à redução do que elas são e do que realmente representam: o humano em seus anseios e em suas paixões inalienáveis.



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