sábado, 25 de abril de 2015

20.


Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros à distância.»

O vento desta noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu a quis e por vezes ela também me quis.

Em noites como esta apertei-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela me quis e por vezes eu também a queria.
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.

Que importa se não pôde o meu amor guardá-la?
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Para tê-la mais perto  meu olhar a procura.
Meu coração procura-a,  ela não está comigo.

A mesma noite  faz brancas as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.

Já não a quero, é certo, porém quanto a queria!
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes de meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não a quero, é certo, mas talvez a queira.
É tão curto o amor e tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta a tive nos meus braços,
Minha alma se exaspera por havê-la perdido.

Ainda que esta seja a última dor que ela me causa,
e estes versos os últimos  que eu lhe tenha escrito.


Pablo Neruda in "20 Poemas de Amor e uma Canção Desesperada".
Vincent



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