![]() |
Nicolas Poussin (Uma Dança para a Música do Tempo) |
O tempo passa? Não passa
no abismo do coração.
Lá dentro, perdura a graça
do amor, florindo em canção.
O tempo nos aproxima
cada vez mais, nos reduz
a um só verso e uma rima
de mãos e olhos, na luz.
Não há tempo consumido
nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
de amor e tempo de amar.
O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
tanto o ontem como o agora,
e o teu aniversário
é um nascer toda a hora.
E nosso amor, que brotou
do tempo, não tem idade,
pois só quem ama
escutou o apelo da eternidade.
Aproveitar o Tempo (Fernando
Pessoa)
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o
aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à
Mílton...
Mas é tão difícil ser honesto ou
superior!
É tão pouco provável ser Milton
ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos
- nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos
ajustados
Que fazem gravuras certas na
história
(E estão certas também do lado de
baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de
cartas, pobre China dos serões,
E os pensamentos em dominó, igual
contra igual,
E a vontade em carambola difícil.
Imagens de jogos ou de paciências
ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das
vidas. Imagens da Vida.
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de
consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem
factício...
Não ter um movimento desconforme
com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como
mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um
fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal
como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever
passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que
saberei de outros minutos?!
(Passageira que viajaras tantas
vezes no mesmo compartimento comigo
No comboio suburbano,
Chegaste a interessar-te por mim?
Aproveitei o tempo olhando para
ti?
Qual foi o ritmo do nosso sossego
no comboio andante?
Qual foi o entendimento que não
chegámos a ter?
Qual foi a vida que houve nisto?
Que foi isto a vida?)
Aproveitar o tempo!
Ah, deixem-me não aproveitar
nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias
de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de
árvore, titilada por brisa,
A poeira de uma estrada
involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas
rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a
parar,
E oscila, no mesmo movimento que
o da alma,
E cai, como caem os deuses, no
chão do Destino.
Poética (Vinícius de Moraes)
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
— Meu tempo é quando.
Vestido (Andrea Campos)
Tentei vestir nosso amor de
eternidade,
Mas ficou apertada, não convinha,
Faltava aquele tecido da saudade,
Eterno é veste maior, outra não
tinha.
Saí às ruas à procura de opção,
Para vesti-lo comprei o infinito,
Não tem altura, foge-lhe
dimensão,
Mesmo assim, não conseguiu cobrir
o grito
Da paixão, pele e manto do insondável
Multiplicando esse sentimento em
ondas,
Feérico ardor inapagável.
Então nu ficou nosso amor como eu
nua
Na noite me escondo e não me
cabem sombras:
Sem roupas de tempo me revelo
tua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário